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A escrita é uma forma de aprendizagem



Por João Baptista


Tindzila conversou nos dias 19 e 22 de Agosto com os escritores Geremias Mendoso e Maya Ângela Macuácua, autores dos livros *Quando os mochos piam* e *Diamantes pretos no meio de cristais*, respectivamente. As obras em alusão foram vencedoras no concurso Literário Fernando Leite Couto (2022), na edição dedicada à prosa. Os debates foram moderados por Kalbe Langa.


Para Geremias Mendoso, personificar animais nos seus livros revela a comunicação deles e a interpretação dos africanos, acreditando que o piar dos mochos é a premonição de algum infortúnio. Ele aprendeu com a mãe, desde a infância, que os animais transmitem alguma informação e muitas vezes recai para o mau agoiro. Parece-nos que esta crença não se restringe aos africanos, se quisermos pensar no escritor timorense Luís Cardoso com o livro *Olhos de coruja, olhos de gato bravo*. Ou se quisermos descodificar o notável poema *O corvo* (1845) de Edgar Allan Poe. Contudo, é tendência essa crença tornar-se mau presságio em África. Incrível na escrita de Geremias Mendoso é que o mesmo coloca a voz dos animais como a voz do narrador, dando eles próprios a conhecer a história aos leitores.


Por conseguinte, Maya Ângela Macuácua retrata a vivência humana através dos seus diamantes pretos. O título já nos é antitético ao mesclar diamantes pretos no meio de cristais. Segundo Maya, o escritor deve ser consciente das suas opiniões ao longo da escrita, deve ser alguém que pesquisa e tem domínio do que escreve.


Algo que surpreendeu a plateia virtual do Tindzila, é que os dois escritores admiram-se. Geremias afirma que a Maya escreveu um romance único e que ninguém jamais escreveu, com uma inovação e genialidade de se invejar. Em contrapartida, Maya aprecia Geremias porque ele conseguiu levar leitores a Nampula, pela forma como constrói e brinca com os elementos da narrativa. Esse elogio mútuo lembra-nos Jack e Rose no filme TITANIC de James Cameron, que suas personagens reais são até nos dias de hoje figuras que se elogiam com toda a reciprocidade do mundo. Assumiríamos, deste modo, que a escrita é uma forma de aprendizagem, de convivência e até de criação de laços de amizade.


Não deixaríamos de falar das influências literárias desses dois escritores super talentosos. Se Geremias é leitor por excelência de escritores nacionais, a Maya tem na sua bagagem de leituras escritores estrangeiros, da literatura inglesa. Mendoso cita Paulina Chiziane, como protótipo e fonte de inspiração, enquanto Maya tem o emblemático escritor Edgar Allan Poe.



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*Sobre os dois oradores*


Geremias Mendoso




Geremias José Mendoso nasceu a 22 de Agosto de 1996, na cidade de Nampula, em Moçambique. 

                  É escritor, poeta e enfermeiro licenciado pela Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade Lúrio. 

                  Em 2019, foi vencedor do prêmio Branquinho da Fonseca Expresso/ Gulbenkian em Portugal, com o seu livro de contos *O Gato que Chora Como Pessoa*. 

                  Foi, em 2022, vencedor do Prémio Literário Fernando Leite Couto, com o seu livro de contos *Quando o mochos piam*.



Maya Ângela



Maya Ângela Macuácua nasceu em Harare, Zimbábwè. É formada em Direito pela Universidade São Tomás de Moçambique. Em 2022, venceu com o romance *Diamantes pretos no meio de cristais* o Concurso Literário Fernando Leite Couto, tendo sido seu livro de estreia.

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