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Basta, Agualusa! - Ungulani Ba Ka Khosa

À  primeira perdoa-se, à  segunda tolera-se com alguma reticência , mas à  terceira, diz-se basta! E é  isso que digo ao Agualusa, escritor angolano que conheço  há mais de trinta anos. Sei, e já  tive oportunidade de o cumprimentar por lá, onde vive há anos num recanto bem idílico da Ilha de Moçambique; sei que tem escrito tranquilamente nessa nossa universalmente conhecida ilha; sei, e por lá passei (e fiquei desolado), que a trezentos metros da casa de pedra que hospeda Agualusa estendem-se os pobres e suburbanos bairros de macuti (cobertura das casas à base das folhas de palmeiras), com  crianças desnutridas, evidenciando carências  de gerações de desvalidos que nada beneficiaram com a independência de há 49 anos. Sei que essas pessoas carentes de tudo conhecem, nomeando, as poucas e influentes famílias moçambicanas que detém o lucrativo negócio das casas de pedra, mas deixam, na placitude dos dias, que os poderosos se banhem nas águas  do Índico, deleitando-se com “selfies” e enca

Por fim, a AEMO pronunia-se do assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe

  A Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), emitiu um comunicado de repúdio expressando sua profunda preocupação com os recentes assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe. A organização condena veementemente esses actos de violência, alertando para o aumento da tensão no país, o que pode culminar em convulsões sociais de grande magnitude, caso não seja adequadamente gerido. A AEMO enfatiza a necessidade de processos transparentes e credíveis de investigação policial sobre os eventos, para garantir a verdade e restaurar a confiança nas instituições policiais e de justiça, que são pilares fundamentais da cidadania. No comunicado, a associação reafirma seu compromisso com a mudança social pacífica e a importância de reconstruir a confiança nas instituições, essenciais para a consolidação da democracia e do bem-estar colectivo em Moçambique. Os escritores moçambicanos se posicionam como agentes activos de mudança, defendendo o diálogo, a escuta mútua e a convivência pacífica entre

POR QUE ESCREVER?

  — Por Ericson Sembua                Há dias, o escritor e historiador Baltazar Gonçalves publicou, na coluna Nossas Letras do jornal GCN , o resultado de uma pesquisa que fez acerca das respostas de autores e autoras consagradas sobre o acto de escrever. Dada sua correspondência com escritores e escritoras de língua portuguesa, recebeu a leitura, análise e respostas do escritor moçambicano Ericson Sembua , ele que tem textos publicados na antologia TANTO MAR ENTRE NÓS: DIÁSPORAS organizada por Baltazar Gonçalves e à venda no site da Editora Kotter. Leia a seguir as palavras de Ericson Sembua.               Allen Ginsberg respondeu que escrevia poesia porque, entre outras coisas, gostava de cantar. Em contrapartida, Manuel Bandeira confessou que fazia versos porque não sabia fazer música. É um caso para se admitir o relativismo no concernente às razões que cada escritor tem para escrever. Algumas razões são influenciadas pela cosmovisão, outras pela tradição cultural vigent

Por cima de toda a folha

  Por Nelson Saúte Conheci o Heliodoro Baptista em 1987, numa das suas raras vindas a Maputo, à época, e tornámo-nos amigos imediatamente. Recordo-me de, numa ocasião, no jardim Tunduru, meses antes de ele dar à estampa o seu primeiro livro Por Cima de Toda a Folha, me ter dado a conhecer o seu original. Estranhei que o livro não tivesse aquele que eu considerava o seu mais belo e pungente poema até à data – “Poema à Filha de Thandi” – que era e é um poema arrebatador. Felizmente, o Heliodoro ainda foi a tempo de incluí-lo no livro. Na verdade, ele pensava que o mesmo deveria fazer parte de um livro posterior. Por Cima de Toda a Folha foi editado em 1987, e o livro seguinte – A Filha de Thandi - seria publicado em 1991. O Heliodoro era um poeta da linhagem dos poetas que se revêem numa poesia como forma de conhecimento, numa poesia eclética. Releva daí o facto de a discussão que se despoletou sobre a questão da intertextualidade, naqueles anos, não ser de todo, em relação a ele, alheia

Um pouco de Zanzibar

  Centro Cultural Palavras & Sol, distrito de Inharrime, sede do Projecto Tindzila  Os portugueses chegaram a Zanzibar em 1498 onde criaram pequenas cidades juntamente com as elites Swahili que viviam no arquipélago e iniciou o londo processo de construção de um dos maiores entrepotos do comércio de escravos na costa do índico. Seguiram-se a vários processos históricos de tentativa de controlo de poder entre os sultanatos locais por um lado e revoltas populares do outro lado. Entretanto, as ilhas sempre estiveram ao controlo do sultanato de Zanzibar, mesmo quando em 1890 o arquipélago tornou-se protectorado britânico. É preciso deixar claro que o Reino Unido nunca teve soberania sobre o Zanzibar, por isso que em Dezembro de 1963, sessou o protectorado reconhecendo o Zanzibar como um país independente. Um mês depois, Jamishid Bin Abdullah foi deposto durante a chamada revolução do Zanzibar que foi um levante contra o governo maioritariamente árabe, perpetrado pela Peoples Republic o

Um pedaço de algodão doce, Abdulrazak Gurnah

Estamos abertos, LACHONETE AIMA, cidade de Inhambane, paragem Uruguai, bairro Liberdade - 03, contacto: 844085779/ 875385905   Por: Jessemusse Cacinda Meu pai nunca me quis. Cheguei a essa conclusão quando era bem jovem, mesmo antes percebi o quão estava a ser privado e muito antes que eu pudesse adivinhar o motivo disso. Em algumas vezes não perceber era misericórdia. Se esse conhecimento tivesse de chegar a mim quando fosse velho, teria aprendido a lidar com isso, provavelmente seria através do fingimento e do ódio. Teria provavelmente fasificado um certo interesse ou indignamente gritado com raiva pelas costas do meu pai e o culpado pela forma como como tudo acabou e como poderia ter sido de outra forma. Na minha amargura poderia ter concluído que não existia nada excepcional em viver sem o amor paternal. Pode até ser alívio ficar sem ele. Pais não são sempre fáceis, especialmente se eles também cresceram sem o amor de seus pais, para eles, tudo que sabem poderia faze-los perceber q

“Memory of Departure” de Abdulrzak Gurnah e a identidade africana em questão

“Uma fronteira existe justamente para ser cruzada” (Achile Membembe) Antes de mais gostava de deixar claro que ainda continuo a espera que o mwalimu Ngugi Wa Thiong’o, autor do livro Matigari (ainda está disponível nas livrarias moçambicanas) seja vencedor do prémio nóbel da literatura. Será uma grande injustiça se tal facto não acontecer. Entretanto, o facto do nóbel da literatura ter sido a um escritor não muito conhecido levanta enormes debates e posições, por um lado, pela sua imprevisibilidade e por outro, porque cresce um esforço de afastá-lo de suas origens.   Há 8 anos que concentrei a minha atenção ao pensamento africano. Basicamente ocupo 70% das minhas leituras a autores africanos, o que tem sido um momento de descoberta e reencontro comigo mesmo. Há dois anos tive a oportunidade de ler numa casa de hóspedes na Ilha de Moçambique, o livro “Memory of Departure” da autoria de Abdulrazak Gurnah.  Havia muitos livros na casa, mas este despertou-me por ter visto na biografia do a

O NELSON SAÚTE ESTÁ TOTALMENTE EQUIVOCADO

  Por : Cri O facto de Abdulrazak Gurnah ter feito a vida dele no Reino Unido, não lhe tira a africanidade, tal como Eusébio nunca deixou de ser moçambicano, por mais que este último tivesse pouco incentivo (da sua própria intelectualidade e da nação que o acolheu) para expressar com frequência, a ligação que sentia com Moçambique.   Por palavras suas, Gurnah diz ter chegado ao Reino Unido em circunstâncias quase que similares às que se submetem os africanos que chegam à Europa de barco, hoje em dia. Veio para o Reino Unido com o irmão, numa viagem que ele próprio chama de “pura aventura”. Gurnah tinha 18 anos e o irmão 20.  Quando os dois jovens decidiram rumar para a Europa, a familia toda (a raíz) ficou em Zanzibar.  Durante anos, Gurnah visitou Zanzibar.  Gurnah é perito em assuntos sobre refugiados, a condição precária do imigrante no ocidente, matérias que têm a ver com os períodos colonial e poós-colonial.  Escreveu cerca de 10 romances; na maior parte deles, descreve a costa le

Mudando de assunto

  Por: Elísio Macamo Fico contente quando um africano brilha. Abdulrazak Gurnah acaba de brilhar com a conquista do Prémio Nobel de Literatura. A minha alegria tem pouco a ver com a solidariedade “cultural”. Tem muito a ver com a impressão que causa em mim ver alguém que se formou como pessoa em condições difíceis a triunfar. É isto que me dá alegria no sucesso de africanos. As condições em que o nosso continente se constituiu e, portanto, as condições em que cada um de nós se forma como pessoa são, dum modo geral, hostis. O sucesso dum africano é, para mim, sempre a celebração da condição humana, daquilo que é possível ser, apesar de tudo. Não escondo o incômodo que os Prémios Nobel de Paz e Literatura para os africanos me criam, sobretudo os da Paz. Apesar de eles documentarem a resiliência africana, eles documentam também tudo o que está errado neste mundo. Não é que não haja africanos capazes de serem bons físicos, economistas, médicos, biólogos, etc. O facto de estarem ausentes de

FREDDIE MERCURY ERA CANTOR TANZANIANO?

  por: Nelson Saúte “Abdulrazak Gurnah foi anunciado hoje como Prémio Nobel da Literatura deste ano. A Academia Sueca prossegue, nestes últimos anos, a sua estratégia disruptiva em relação aos favoritos, laureando nomes totalmente inesperados. Sabia que hoje seria anunciado o vencedor deste ano e tinha a ideia de que o mesmo pudesse ser um autor oriundo de uma zona diversa daquela que acumula mais prémios: o Ocidente. Eu diria que esse propósito não foi cabalmente cumprido. Gurnah nasceu, em 1948, no antigo Sultanato de Zanzibar e de lá saiu aos 20 anos, tendo feito a sua vida e a sua carreira no Reino Unido. É um escritor britânico. Parece-me um dislate quando se diz que se premiou um escritor tanzaniano. Quando ele nasceu, a ilha de Zanzibar nem sequer pertencia à Tanzania. Existia a Tanganyika e o Arquipélago de Zanzibar, que teve sempre um estatuto e jurisdição colonial independente. E mais: aqueles que abandonaram a ilha na sequência da revolução, quase todos, nunca se identificam

A ideia de Perseverança em "Namoro" de Viriato da Cruz e "Quero ser teu namorado" de Célio Figueiredo

Linha de Leitura 1. *Introdução No intróito desta abordagem importa apresentar dois artistas de dois países africanos de expressão portuguesa (Angola e Moçambique), cujos textos serão objectos de reflexão neste estudo aparentemente comparativo e que vai procurar trazer elementos de alteridade.   Viriato da Cruz é um poeta angolano (1928 - 1973). Morreu em Pequim pouco tempo antes de ver a sua pátria independente. Na sua poesia ele procura a identidade africana. Célio Figueiredo é um músico moçambicano (1962). Descobre-se influenciado por amigos que tocavam muito bem e a paixão pela música romântica começa pela trova cubana de intervenção social, por exemplo, na de Pablo Milanés. 2. *Perseverança Perseverança é um termo que está muito associado à ideia de foco, luta e fé. Acredita-se que sonhando, lutando e persistindo pode-se chegar ao Sonho que se é projectado. O livro mais lido do Mundo, a Bíblia, é um exemplo concreto de episódios que nos remetem à ideia de perseverança, bastando