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“Há muita gente que não me conhece e pode pensar que sou um menino privilegiado, nada disso, viemos de grandes batalhas” – Capela


O presente texto pretende traduzir pedaços da conversa com o poeta, activista, fotojornalista, Féling Capela, moderada por Jeconias Mocumbe, que aconteceu no grupo de WhatsApp do Projecto Tindzila com o seguinte tema: fotografia poética. - escrita por Jeconias Mocumbe 


FÉLING CAPELA. 


Biografia de Capela

Pela extensão da biografia do nosso convidado, numa tentativa frustrada de a resumir, constatamos que Féling Capela é uma das importantes vozes da actualidade em Moçambique, que tem realizado vários trabalhos de cunho artístico, repórter fotográfico, poeta, activista social e coordenador de diversos projectos artísticos, como por exemplo, o projecto “Noites de Poesia”, o qual promove acerca de 10 anos, sendo o maior e mais antigo sarau de artes em Moçambique com aproximadamente 16 anos de existência, em 2019 realizou o primeiro FESTIVAL INTERNACIONAL, POESTAS D’ALMA que contou com a participação de artistas provenientes de mais de 20 países e é também Director Cultural do Centro Cultural Moçambique-Alemanha (CCMA).

Capela trabalhou em projectos culturais tais como “Power In The Voice” promovido pelo consulado britânico em Moçambique e “Eu Gramo de Ser Moçambicano”, da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC).

O poeta viajou e representou Moçambique em vários festivais internacionais e países, a destacar, Kwani Litfest -Narobi, Poetry Africa-Durba, II Conferência Internacional Sobre Culturas Africanas – Cairo, Festival na Margem – São Paulo e entre outros, destarte, dos diversos países em que passou, destaca também a sua passagem por Berlim, Madagácar, Linz, Kampala, Dar es-Salam, Mumbai, Bengaloure.

………….
Para dar partida a conversa, Capela deixou escapar a sua declamação com a engenhosidade e profissionalismo que lhe é característico, no entanto, não faremos a transcrição total da composição e dos áudios sendo que estamos perante uma síntese da conversa e esperamos transmitir as notas essenciais, para constar, abaixo o excerto do poema declamado:

Meus poemas bem sentidos não mentem/ meus poemas têm bombas/ bombas da consagração da paz e amor/ meus poemas de dor/ dor duma anciã bantu que lhe foi roubada a paternidade pela suposta globalização/ …globalização, globalização/ meus poemas são humanistas/ não são racistas/ meus poemas excluem os egoístas/ (...) / meus poemas choram África/ meus poemas são sonhos na fábrica/ fábrica da vida/ meus poemas são vida…/ my poems is a life/ future of the dreams/África/ Ubuntu/ avante. – Capela.

Para dar sequência à conversa, Capela, também conhecido como poeta do diafragma, preferiu focar-se na prática do seu trabalho, naquilo que tem estado a exercer como artista, como activista social e como ladrão de almas (designação própria do Capela dos seus registos fotográficos). 

O poeta de Diafragma, expressão que o associa a poética que se transmite das suas fotografias, inicia-se na fotografia mesmo por causa do seu histórico de vida. 

Quando novo, após a morte do seu pai em 1992, aos seus 11 anos, como nos contou, quis a sorte ou o destino, de o pôr ante aos poemas de Craveirinha, num momento de consternação e muita depressão. Teve a sorte também de estar diante de um livro que incitou bastante a sua escrita, intitulado O Papillon de Henri Charrière, um romance autobiográfico, sendo que Henri condenado à prisão perpétua por um assassinato que não cometera, foi um dos poucos a fugir da ilha do Diabo, presídio localizado na floresta impenetrável da Guiana Francesa onde os presos pagavam por seus crimes sofrendo degradações e brutalidades.

Henri despertou em Capela emoções profundas e ainda, foi através dele que se motivou a encarar o mundo de forma mais aberta e confiante, ora vejamos: “ trouxe-me a luz por ser um livro que dá esperança as pessoas. Depois de ter lido esta obra, comecei a escrever bastantes poemas pessoais. Há quem diga que, nós escrevemos, na verdade, aquilo que lemos. Constróis-te como escritor, como poeta, depois de ler alguma coisa, apesar, ou melhor, tenho máxima consciência que todos nós, africanos, moçambicanos, em particular, aqui, o pessoal vem da oralidade, não queremos desvalorizar esse pensamento oral, mas esta coisa da escrita para nós é nova, entre aspas.”
Capela partilha com certa ternura os diversos momentos da sua história artística. Escrevi bastante e apaixonei-me por isso, assim sentenciou. 

Por outra, deixou-nos saber que antes, na flor da sua adolescência, já tivera um contacto forte com a música e que resultara na gravação de algumas músicas, ao lado do seu amigo de nome BHAKA e também fizera parte de um grupo musical denominado Big Bang. 

Deixou-nos a reter, por outra, o seguinte, estar no cenário artístico vem de longe e, foi a partir daí que através do movimento Hip-Hop conheci um amigo chamado Amarildo Valeriano, e que neste momento se encontra na Itália…

“ A parte da declaração me veio a tona”, ajuizou, Féling Capela.

Sobre o caminho que percorreu à declamação, destaca que, iniciou-se muito novo na organização de eventos artísticos no Gil Vicente e tendo continuado a escrever, conheceu Amarildo como o passar do tempo e, a parte da declamação veio-lhe a tona.

Lembrou com certa nostalgia, altura em que Amarildo o convidara a fazer parte dum colectivo de jovens que prestariam tributo à mãe da poética moçambicana, Noémia de Sousa, na altura, penso que foi em 2005/6 e 2008, passam anos, feita na faculdade de medicina por um colectivo de poetas dentre eles, a Tânia Tomé, Pedro Mbate, que tem hoje a sua editora e um festival resiliência, Leo Nhavoto, Arsénio Macaliche, Sanducha, Gérson entre outros, disse e acrescentou, organizávamos estas sessões, … confesso que depois, nunca mais parei…

Falou-nos de Poetas d’alma. Quem são? Como surgem? E o que objectivam? Capela como organizador de eventos e declamador, declamara bastante nos saraus, não só, nos eventos governamentais, nas falas do Governo, ao lado de Amarildo e a custo zero: “O pessoal gostava imenso de declamar e é por isso, se vocês olharem para o nome do nosso movimento que agora é Mundial, Poetas d'alma, transmite isso, porque nós, púnhamos a arte e alma sempre em frente de qualquer coisa… a nossa base começa aí, então, a minha relação com a poesia nasceu aí e eu, sempre estava na vida cultural da cidade de Maputo. Estava activo em todos eventos culturais …muito antes até de entrar na universidade Eduardo Mondlane participava dos cursos e círculos de literatura que aconteciam, e que acontecem ainda no Instituto Camões nos finais de ano em parceria com a Universidade Eduardo Mondlane. Frequentei tantos cursos por lá e isso veio a solidificar mais a parte literária. Confessou.

Os poetas são vagabundos, decretou.

Do seu percurso profissional, uma nota que vale ser gravada, sobre o ponto desta ter impulsionado de certo modo a sua carreira de fotógrafo, pois, Amarildo e ele estavam em busca de emprego, a poesia não lhes estava a dar dinheiro para poderem viver de forma condigna, no entanto, numa exposição no Franco Moçambicano, estavam lá o Ricardo Rangel, Malangatana, lá para o ano de 2007, estava também Roberto Chichoro, um grande artista plástico que vive em Portugal e foi precisamente na sua exposição que Capela apareceu com uma câmara digital embora trabalhava e trabalhara num projecto ligado a poesia chamado Poder na Voz do consulado britânico, em verdade, tinha sido o seu primeiro emprego, onde trabalhou com Mr. Arsen, Simba, Ivete e outros, um colectivo de 10 artistas seleccionados em Moçambique com a função de ir às escolas com intuito de formar grupos e ensiná-los a declamar, dando-lhes técnicas para posteriormente competirem entre eles, e foi graças a este projecto que conheceu a Énia Lipanga, por sinal, sua aluna na altura, como confessou ser afortunado em vê-la crescer assaz, actualmente, uma das grandes activistas sociais desta pérola do Índico, não é uma artista qualquer, é uma pessoa que devemos respeitar muito pelo seu activismo, no entanto, isso na poesia, na literatura, nas artes é o mais importante, a qualidade profissional da fotografia de Capela foi posta em causa pelo Rangel como passaremos a contar a seguir, para não alongar mais este extenso parágrafo.

Retomando ao enredo principal do parágrafo acima, no mesmo evento de exposição no Franco Moçambicano, quando vira Ricardo Rangel, encontrava-se a tirar algumas fotografias com a sua câmara digital e ousadamente tirou uma fotografia ao Ricardo, e este, voltou-se com o olhar para Capela, orgulhoso do chute, Capela foi ao encontro de Rangel mui feliz para mostrar a foto, no entanto, Rangel dirigiu a visão à fotografia e disse, wau, isto está desenquadrado, desfocada, tudo des, desnegativo[sic]…, e tornou a olhar para Capela e expressou, mas tu tens vontade, procura-me lá na escola de fotografia e aparece aí, depois falamos.

Ao ir a procura do Ricardo na escola de fotografia disseram-lhe que tinha que se inscrever para realizar um exame, foi um exame sobre a cultura geral, como ele próprio confessou, e no final, conseguiu entrar para o curso.

Fez o curso intensivo e quando terminou, Ricardo perguntou-lhe se queria ir ao Notícias. Na altura, Capela era o mais jovem estagiário a entrar para o Jornal Notícias, como disse em suas declarações, Posso dizer de boca cheia que fui o primeiro jovem a entrar na redacção do Jornal Notícias, coisa que era extremamente difícil. 

Grafou por sua voz, num timbre tónico que:.. há muita gente que não me conhece e pode pensar que sou um menino privilegiado, nada disso, viemos de grandes batalhas…

Nos parágrafos anteriores encontramos uma radiografia do percurso profissional, artístico, pessoal do Capela e como gatilho motivador para aquilo que tem feito, seja na vida cultural e social, desta feita, a conversa ganhou ainda mais argúcia na partilha de controvérsias experiências e expectativas do percurso do nosso orador como se pode constatar a seguir:

Sobre a fotografia poética, considerado por alguns como poeta de diafragma, Capela acredita que é assim visto porque a sua fotografia se reveste de poesia, tem poesia, e ao mostrar algumas imagens do seu trabalho como fotógrafo, Capela adiantou-se a afirmar que a função poética, a poesia, ela tem esta característica pela preocupação com a forma do discurso, de como nós transmitimos a mensagem e essa função, é mesmo emotiva e as pessoas a confundem com as emoções, então, esta poética e fotografia, para mim é a capacidade que o fotógrafo, ou outra obra tem de comover os espectadores, os leitores e as pessoas que vão ver a obra ou apreciar…

Poetas são antenas da sociedade, diz Capela.

De forma geral, Capela admite que os poetas são antenas da sociedade, eles captam os elementos, traduzem muitas vezes com frontalidade, mas como sabemos, estamos num país, em particular, em Moçambique, reina muita ditadura, há esquadrão da morte e muita coisa limitadora, então, os artistas se reinventam. 

Os poetas têm essa capacidade de ir buscar, captar, da sociedade, afiançou. Por seu turno, Capela é um jovem que se identifica assaz com a filosofia Ubuntu, união africana, dos pretos, dos povos, sendo assim, tem a crença de que ninguém é branco ou preto no seu interior, eu acredito nisso, o sol brilha para toda gente … se tu cortas o branco e o preto, todos vão jorrar sangue, claro que os pretos tiveram a sorte de ter melanina a mais…

Um jovem, um coleccionador de filosofias revolucionárias, um lutador ferrenho da integridade e liberdades africanas, mas quem é Capela no panorama artístico?

Capela tem a voz a soar lancinante entre os tambores do Pan-Africanismo, um lutador das liberdades africanas e da integração, como se auto julga. E também, é parte de si como ser social, a filosofia da união, da integridade dos povos pretos e negro, estamos a ser espezinhados a toda hora, a escravatura aconteceu a mais de 500 anos, vieram e saquearam o nosso continente e hoje, ainda continuam a genocidiar [sic] o povo negro, e estas questões me inquietam,disse. 
Quanto aos problemas locais, recusa-se a ser aliado da corrupção, do bandidismo praticado pelo ou em nome Governo, dos assassinatos e vê-se como militante contra estas coisas que tiram a integridade do povo, humilham o povo. Recorda com amuo do sangue que irrigou os campos, sangue dos nossos antepassados, dos nossos pais que lutaram para libertar o continente, e hoje, torna-se humilhante ver, no seu entender, os libertadores da pátria a serem os que geralmente estão a “Foder” a pátria, desculpe-se a expressão, mas isso não me agrada como jovem porque tenho filhas e gostava que as minhas filhas crescessem num país íntegro e tudo isso depende de nós, o ocidente está de olhos no nosso petróleo, no nosso diamante, na nossa mão-de-obra porque é a mais barata que existe…

Da fotografia à denúncia

by: Capela

por Capela


A fotografia de Capela é interactiva. A poética dela reside na intervenção social, mas também provocativa. Ela provoca aos governantes, a ideia é basicamente essa provocação, chamar atenção para que alguma coisa mude, dito em sua voz. Rememora que fez algumas fotografias em tempos idos, provavelmente 07 a 08 anos, sobre meninos de rua, uma reportagem de 6 meses que objectivava fazer uma denúncia e mostrar a realidade que os nossos governantes não conhecessem.
Olhando hoje para a cidade de Maputo, há mais de 500 crianças em busca de sobrevivência e a proveniência da maioria delas, provavelmente seja de Gaza e Inhambane, que chegam para trabalhar como escravas, todos nós vimos isso, artistas, sociedade, o governo e ninguém age… vendem ovos, chips, pela cidade para no final receberem 1000 meticais mensalmente, e é neste mesmo dinheiro que têm que enviar uma parte para os pais em Gaza ou em Inhambane. Isto está a acontecer e nós fingimos que não estamos a ver. Primeiro isto é uma exploração infantil e nós normalizamos a coisa. 

Neste âmbito, Capela fez esta reportagem que passou no Jornal Domingo, depois de muita censura no Jornal Notícias e graças a um grande amigo seu, um padrinho, irmão e mestre Belmiro Adamugy como ele o considera, e este, ajudou-lhe a publicar esta reportagem associada a um texto do Adamugy a retratar estas fotografias, elas passaram em duas páginas (…) este mesmo material foi muito comentado, apareceram muitos activistas sociais que queriam ajudar as crianças … nisto convidaram-me para fazer uma entrevista na TVM, realmente apareceram voluntários, existem pessoas muito boas no país, pessoas que podem mudar a nossa condição social pela bondade, podem mudar muito… e essas pessoas se organizaram … proporcionaram às crianças um lance, numa noite de inverno no Gil Vicente, onde comecei a organizar os meus eventos, eram por aí 19, 20 até às 21 horas e estiveram presentes cerca de 80 a 100 meninos de rua.

Das imagens


NB: Em relação as fotografias, os créditos devem ser dados ao autor.
Imagem by Capela 




“… Esta criança está a dormir, foi por volta das 03 ou 04 horas da madrugada de inverno... 
Todos direitos reservados ao autor, imagem feita por Capela. 

... nesta outra fotografia, tu tens uma criança, eu fiz uma reportagem com um amigo chamado Albino Moisés que Deus o tenha, um grande mestre irmão. Saudades! Ele partiu recentemente, também vamos ao encontro, tarde ou cedo, vamos lá! Fomos fazer um trabalho e chamamos os vizinhos do Guebas porque esta criança está com frio, na época do Natal está com um chapéu de Pai Noel e encontra-se justamente ao pé da ponta vermelha, e é por isso que vocês vêm lá no fundo o mar, o canal, a costa da Katembe, entretanto, procurem poética aí e escrevam poemas a falar destas fotos se quiserem, há um trabalho que está sendo feito neste momento e eu tenho um projeto de lançamento. Nunca lancei o meu livro que vai sair com poesia e fotos. Muitas vezes olho para minhas obras e digo: wau, eu ainda não estou preparado…”

“ Há uma realidade camuflada” Capela

Capela 

– “ Este sou eu, o narcisista, mas já vou explicar por quê…

by Capela. 


- “ A luta continua, eu me inspiro neste menino, está fotografia foi tirada em Caia…, foi à 08 anos ou 09 anos atrás, não, ou 10 anos atrás em Macomia, Caia, estávamos num período de cheias, eu cheguei de helicóptero, eu trabalhava com imagens, viajávamos e tal, para fazer trabalhos, quando chegamos de helicóptero as crianças não tinham o que vestir, não tinham roupas, foi a primeira vez que eu saia da cidade de Maputo para a comunidade do distrito, eu me recordo que ainda era estagiário no Notícias quando fiz esta fotografia, então vi as crianças pálidas, vi pessoas com pele partida. Há uma realidade camuflada aqui que tu não vês quando moras na cidade de Maputo, cidade, subúrbio é mesma coisa, as pessoas, muita gente não têm noção, eu sei que há pessoas que sabem que existe pobreza, mas este país é imenso, é vasto e há muita pobreza aqui…”
por Capela 




Disse também Capela que essa coisa de ser poeta de diafragma, nós nos inspiramos em nossos líderes e, Samora Machel para ele é líder, é a figura que queria que estivesse viva neste momento, queria que tivesse mais discípulos, mais seguidores para que este país fosse avante com dignidade.


- “ criem as vossas ilações nesta fotografia! Olhem nos olhos do menino e façam a vossa poesia, não se justifica um poema, entretanto, os poetas são as antenas da sociedade.” Capela
Por Capela 

Por Capela 


- “ Está fotografia em particular é muito chocante, tenho várias delas, havia uma altura em que o nível de violência doméstica era elevado aqui em Maputo e Gaza.

Capela trabalhava como repórter, e foram num dia desses, fazer uma reportagem numa zona chamada 3 de Fevereiro, quando lá chegaram, deparam-se com a senhora na foto que tinha sido espancada pelo próprio filho porque não tinha cozinhado para o filho, entretanto, o filho tinha uma mulher e a mesma vivia na casa da senhora, ou seja, as nossas mães cuidam de nós e nós as violentamos, então, não fica bem Homens, Irmãos, não vamos violentar as nossas mães… mas eu prefiro deixar as fotografias em aberto para que vocês tirem as vossas ilações…” Proferiu como forma de excitar a imaginação dos participantes que se abria ante a fluorescência do seu trabalho e de seguida, prosseguiu com algumas partilhas que podem ser vistas a seguir.
Por Capela 

By Capela 

by Capela. 


- “esses são os retratos da vivência urbana, Maputo, podre como é.” Sentenciou. 


por Capela. 


- “E o que mais inquieta é a capacidade que nós temos muitas vezes de passar pela rua e ficarmos indiferentes como se isto fosse normal e lutamos pela liberdade, entretanto, oprimimos os outros, continuamos a oprimir os outros… há gente que nós tratamos como não-gente[sic], mas que também ela é gente…”

Por Capela.

- “… os meninos, os adultos deste país querem ser livres como este menino que corre aos pneus…”- Capela.

Dentro do seu engenho de poeta e declamador, Capela voltou a partilhar uma declamação da sua própria autoria intitulada Senhor opressor e traduzida em texto completo temos: 

Senhor opressor/ tiraste-me a luz do sorriso/ tiraste-me a voz do juízo/ e tiraste-me a possibilidade de sonhar/ tiraste-me a vida/ Sim, senhor opressor/ crucificaste-me hoje, ontem, mas amanhã não!. -Féling Capela

Nas interacções, as questões colocadas ao nosso orador temos em registo algumas, sendo:
... a tua voz é ouvida? Sentes que consegues atingir o alvo com essas denúncias? Sobre a colocação, Capela partilhou que o seu trabalho chega sim, tanto que acredita que foi um dos primeiros, senão o primeiro moçambicano a publicar fotografias no maior jornal do mundo New York Times. Significa que este mesmo material transcende as fronteiras locais, chega lá fora e provoca mudanças de alguma maneira… recordo-me que depois de publicar as fotografias no New York Times, órgãos como CNN internacional convidaram-me, vieram até Moçambique para fazer um documentário sobre a minha vida. Depois disso veio a Nacional Geograph, contratou-me para trabalhar com eles num projecto na Zambézia que era o Director de Fotografia e também o entrevistador porque trabalhava com guiões, foi um trabalho intenso, mas fora isso, já tive entrevistas muito grandes na BBC

Afiançou ainda, Acho que a mensagem chega sim! Neste momento estou a hibernar, estou mais calmo! … Eu não estou activo na fotografia a cerca de 4 anos, mas não sei como vocês me descobriram, já não dou entrevistas, não apareço, não gosto de dar a cara, estou a hibernar, mas é claro que quando soltarem o leão as coisas vão acontecer aqui em casa (risos) … 

E quanto a questão Acha que há um casamento perfeito entre a fotografia e poema? Capela respondeu, obviamente, para ele a boa fotografia é aquela que consegue trazer poesia na imagem. Fotografia é arte. É preciso olhar para a fotografia como arte.

Questão: Mestre, gostaria de saber o teu pensamento crítico em relação ao futuro das nossas artes no geral, tendo em conta, por exemplo, o contexto da cidade de Maputo onde os eventos culturais ocorrem maioritariamente em casas privadas como centros culturais de alguns países com representação diplomática em Moçambique. De que forma os artistas conseguem produzir em função dos objectivos nacionais tendo em conta está realidade? 

Capela, vê-se como uma pessoa que quer desconstruir um pouco, quer mudar a história, os contornos e pretende trabalhar nisto no futuro. Trabalha e integra como poeta no grupo Poetas d'alma e com o colectivo Poetas d'alma, no ano findo realizaram a 1ª edição do festival internacional de poesia e artes performativas que aconteceu em Moçambique, digo de boca cheia que nós organizarmos o maior evento literário no país que contou com cerca de 20 países… o evento aconteceu durante 03 dias, e este evento é o que tem estado a acontecer desde os tempos do ICMA para quem conhece a história da poesia urbana, a poesia marginal, a poesia das massas, o pessoal sempre foi Underground, dava espaçoà juventude para declamar de forma informal… a coisa importante das noites de poesia no ICMA, tu não tinhas um estado social definido … um espaço que criou possibilidades de novos leitores…

Como considerações finais Capela deixou ficar que devíamos aproveitar o momento para reflectir a situação de Cabo Delegado, Cabo Delegado faz parte de Moçambique e são moçambicanos que estão lá a morrer e muitos familiares de nós outros, eu sou de Namapa, ali no Rio Lúrio, último distrito de Nampula que faz ponte com Cabo Delgado, então, tenho familiares que estão lá, em Moçambique. Vamos pensar no país, o país é nosso, a luta continua. Fiquem bem. Leiam bastante e mudem a história, façam história também.



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