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O Silêncio que ecoa na Praça

A tensão política de Moçambique não é nova. Ela é uma sombra longa e fria que nunca vai embora. Um fardo pesado a ser carregado e que ninguém sabe como deixar para trás. Ela sufoca tanto quem está nas ruas quanto quem, atrás dos escudos, segura as armas.   E, Moçambique, chora em silêncio. Chora pelos seus mortos, pelos seus vivos, pelas suas dores invisíveis. Chora porque, agora, terra de ninguém, nela todos perderam algo — a jovem, o velho, o policial. Perderam porque esqueceram que, em algum lugar, são todos feitos do mesmo sangue, da mesma terra.   A praça é este espelho rachado. O caos das ruas reflecte os cacos de um país que já não sabe como se reerguer. O sol da tarde é cruel, lançando a sua luz contra os rostos marcados pela guerra, pela fome e pelo cansaço de gritar aos ouvidos que nunca ouvem.      Os cartazes balançam como bandeiras de um povo à deriva. "Queremos justiça!", dizem uns, mas que justiça cabe neste lugar onde a voz se perde ant...

A Queda – Albert Camus (Ou a democracia como culpa colectiva?)

 A Queda – Albert Camus (Ou a democracia como culpa colectiva?) O meu contacto com Albert Camus deu-se quando era estudante de Filosofia na extinta Universidade Pedagógica – Delegação de Nampula. Comecei com “O Mito de Sísifo”, seguido de “O Homem Revoltado”. Mais tarde, li “O Estrangeiro” (definitivamente um dos melhores livros que já li), depois “A Peste” e agora “A Queda”. Posso afirmar-me suficientemente conhecedor da obra de um dos meus ídolos. O livro é um monólogo de um parisiense que se apresenta como “juiz-penitente”, Jean-Baptiste Clamence, e que narra, num bar de marinheiros de Amesterdão, o México-City, as peripécias da sua vida na capital francesa. Jean-Baptiste atingira o sucesso na alta sociedade como advogado respeitado, vangloriando-se tanto dos seus dotes na defesa de causas nobres como das suas conquistas amorosas. A escrita de Camus é incómoda para quem procura, através dos livros, confirmar as suas convicções. As palavras do seu personagem-narrador fazem-nos re...

LINA MAGAIA, 80 ANOS

  Por: Nelson Saúte   “Tenho quatro filhos. Um deles foi-me dado pelo destino fruto da acção dos bandidos armados. Pari três.” Lina Magaia (in “Dumba Nengue”)   Era uma mulher impetuosa, falava com veemência, argumentava empolgada, arrebatava com o seu fervor e as suas ideias. Os seus olhos interpelavam-nos. Indagavam-nos. Não deixava ninguém indiferente. Dizia o que pensava sem rebuços. Não se coibia de discordar dos seus e divergir dos seus camaradas quando pensasse diferente. Era indomável contra os seus adversários. Tinha uma pluma esplendente. A sua escrita, igualmente enérgica, nimbada pelas suas ideias e as suas crenças, era penetrante. Escrevia na fronteira entre o jornalismo e a literatura, entre o relato e a denúncia, entre o depoimento e a biografia. Dividia opiniões? Claro. Era assertiva e generosa, humanamente generosa. Tinha causas. Lutava por elas. Tinha compromisso com a vida e o destino dos outros. Era partidária da verdade. Por isso, tamb...

Sua Excelência, Senhora Penitenciária

Excelência, rogo-lhe que leia atentamente esta carta. Há reclusos incriminados no seu gabinete. Veja bem, há reclusos dentro das suas gavetas e armários. Se não for por engano propositado, que sejam enviados para a jaula juntamente com aqueles processos dos condenados que perderam o crachá da caução e os tantos perdões do santo das misericórdias. Mas, por favor, não os atire na cova dos leões, como de costume.  Rogo-lhe, não os atire ao circo de Nero para serem dilacerados pelas feras armadas. Quiçá, são provedores, pais e filhos, Excelência!      Excelência, há reclusos dentro das suas gavetas  e armários. Merecem ser libertados desse purgatório para serem esmagados pelo martelo da justiça dos tribunais ou, pelo menos, verem os seus casos analisados por uma equipa de magistrados. São reclusos-chave, conhecem todos os meandros daqueles malandros que nos trepam às costas como gala-galas e salamandras nas paredes. Aquele...

Das causas às consequências

De 1974 a 1976, viveu-se um período de ouro em Moçambique. Cheirava-se a liberdade. As ideias fluíam. As livrarias deram-nos todo o tipo de literatura - da área política, económica, a outros ramos do saber social. Disso tenho exemplo da livraria Ovedekula, em Quelimane. De 77 em diante, tudo mudou: as livrarias abarrotaram-se  de obras escolhidas de Lenine e outras edições da Progresso, da  extinta União Soviética.  Desses tempos áureos  apaixonei-me pelos conceitos de legitimidade democrática  e legitimidade revolucionária. Naquela minha adolescência política, tentei compreender, no quadro da legitimidade revolucionária,  os actos  das autoridades  em obrigarem as instituições públicas e empresas estatais a afastarem e não  empregarem cidadãos que se beneficiaram de bolsas de estudo angariadas no tempo do obreiro da unidade nacional, Eduardo Mondlane, aos então jovens moçambicanos, maioritariamente do centro e norte de Moçambique. Vi doutore...

Basta, Agualusa! - Ungulani Ba Ka Khosa

À  primeira perdoa-se, à  segunda tolera-se com alguma reticência , mas à  terceira, diz-se basta! E é  isso que digo ao Agualusa, escritor angolano que conheço  há mais de trinta anos. Sei, e já  tive oportunidade de o cumprimentar por lá, onde vive há anos num recanto bem idílico da Ilha de Moçambique; sei que tem escrito tranquilamente nessa nossa universalmente conhecida ilha; sei, e por lá passei (e fiquei desolado), que a trezentos metros da casa de pedra que hospeda Agualusa estendem-se os pobres e suburbanos bairros de macuti (cobertura das casas à base das folhas de palmeiras), com  crianças desnutridas, evidenciando carências  de gerações de desvalidos que nada beneficiaram com a independência de há 49 anos. Sei que essas pessoas carentes de tudo conhecem, nomeando, as poucas e influentes famílias moçambicanas que detém o lucrativo negócio das casas de pedra, mas deixam, na placitude dos dias, que os poderosos se banhem nas águas  d...

O Silêncio dos Escritores - Jessemusse Cacinda

Martin Luther King Jr. já afirmou que o silêncio dos bons deveria nos preocupar. Por isso, não posso ficar indiferente diante do silêncio ensurdecedor de um grupo de pessoas cuja arte reside em dizer coisas. Hegel chamou a literatura de "a escrita da palavra", enquanto Michel de Certeau a definiu como "a arte da escritura". Seja qual for a forma que escolhamos pensar, esta arte existe para ajudar a expressar. Entretanto, recentemente ocorreram assassinatos com motivações políticas de dois cidadãos moçambicanos: o advogado Elvino Dias e o cineasta Paulo Guambe. Esses atos covardes e vis vitimaram figuras ligadas ao Eng. Venâncio Mondlane, amplamente reconhecido pelos moçambicanos como o vencedor legítimo das últimas eleições e, portanto, o verdadeiro presidente eleito do nosso país. Digo "verdadeiro" porque houve manipulações evidentes dos números, e como os manipuladores são amadores, um simples exercício de aritmética desmonta esse engodo. Mas, voltando a...

O meu pedido de desculpas à minha prole

 Por: Lo-Chi (Hélder Muteia) retirado de um grupo do Whatsapp e facebook Escritor Zambeziano O meu pedido de desculpas à minha prole. Se eu soubesse o que sei hoje, aos dezasseis anos teria feito vasectomia.  Isto não é um país que uma pessoa decente possa deixar aos filhos.  Um estado repleto de contradições das mais cruéis.  Completamente libertino onde deveria ordenar.  Extremamente prepotente e violento onde deveria escutar, no momento e onde ser mandão, pede cooperação.  Resultado: este caldeirão explosivo em fermentação, cuja combinação química é completamente imprevisível e inominável.  Não vos preparei para este pesadelo, meus filhos.  Reconheço! O desordenamento começa no ministério de educação, deseducando, em consequência o sistema completamente viciado.  E acaba na estrada, onde as regras foram levadas a obsolência, sem nenhum decreto, ficando numa espécie de vacatio legis.  Reparem bem, meus filhos, que evoluímos para era do...