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Ungulani é meu autor preferido entre os moçambicanos. Vejo que ele não faz uma visão amenizada, ou poetizada de questões que no fundo (…) são questões trágicas (…). Ungulani põe o dedo nas feridas (…). E por isso que penso que faça uma literatura mais interessante.” – Ricardo Alves

 

por: Jeconias Mocumbe

ORADOR: RICARDO PEDROSA  ALVES



Pelas 18 de Moçambique do passado Sábado, dia 13 de Março de 2021, o Projecto Tindzila, no seu grupo de Whatssap organizou mais um dos seus eventos virtuais, que contou com o poeta, professor universitário da literatura, pesquisador das literaturas africanas e sociólogo Ricardo Pedrosa Alves na oratura e o professor de Literatura Alberto Cumbane na moderação.

A conversa se desenvolveu no âmbito da LITERATURA MOҪAMBICANA NO BRASIL. No entanto, nos convêm a partir deste documento, das diversas abordagens trazidas sobre o tema em questão, partilhar de forma singular, sucinta e clara a primeira parte da conversa que foi caracterizada pela explanação do orador em volta do tema em alusão.

“Aqui no Brasil estamos enfrentando momentos muito difíceis, muito desgaste emocional, muitas perdas económicas, um número assustador de mortes e muito descaso por parte do nosso actual mandatário, de facto um genocida” – Ricardo Pedrosa Alves

Depois de tomar a palavra, o orador se inicia com uma saudação mais para o lado melancólico induzido pelo actual fenómeno de pandemia tanto quando a sua gestão pelos governantes, mormente, em Brasil, como podemos atestar:

“ …Espero que todos estejam bem, todas estejam bem, salvos desta pandemia de Covid. Aqui no Brasil estamos enfrentando momentos muito difíceis, muito desgaste emocional, muitas perdas económicas, um número assustador de mortes e muito descaso por parte do nosso actual mandatário, de facto um genocida. Então, penso nestas duas horas, ao menos, a literatura nos possa conduzir a uma ideia melhor de sociedade e de troca entre as nossas nações…”

Para dar seguimento a conversa o orador avançou:

“… a minha proposta ao JB foi tratarmos do tema LITERATURA MOҪAMBICANA NO BRASIL. Primeiro vou dizer como cheguei a este tema, um caminho relativamente recente no meu percurso de professor e pesquisador. Depois, falarei sobre a minha pesquisa, sobre as literaturas africanas, fazendo um recorte voltado a literatura moçambicana, por fim pretendo falar do mercado editorial brasileiro, da crítica e dos estudos literários no Brasil voltados a literatura moçambicana. Bem, eu sou professor universitário e tive a oportunidade de fazer o mestrado e doutorado em literatura brasileira, estudando autores como Jorge Amado, Glaciliano Ramos, escritores que eu recomendo muito a vocês. E como é que cheguei na literatura moçambicana? Posso dizer que foi por um caso de amor. Eu me casei com uma pesquisadora da obra do moçambicano João Paulo Borges Coelho, escritor e historiador. A Ana, minha companheira, viveu alguns anos em Maputo, trabalhou no Centro Cultural Brasil-Moçambique, entre 2006 a 2010. Ali ela tomou contacto com a literatura moçambicana e com a obra de João Paulo. Quando voltou para o Brasil, ela defendeu o seu doutoramento sobre alguns livros dele, e foi o primeiro doutorado no Brasil sobre esse óptimo escritor. Foi com a minha esposa, portanto, que fui aprendendo a gostar da literatura moçambicana e a pesquisa-la, o que venho fazendo nos últimos três anos. Também foi muito útil estar com a Ana, porque ela trouxe livros daí de Moçambique. Livros inacessíveis aqui no Brasil. Apesar de já termos um bom número de livros moçambicanos lançados no Brasil, na maioria das vezes, de tiragens pequenas e de ausência de muitas obras, então, são esses contactos pessoais que facilitam o acesso as obras.”

Sobre o seu interesse de pesquisa o orador acrescentou que foi pela necessidade de compreender como a academia brasileira através das suas dissertações e teses, vem estudando as literaturas africanas. Ainda, o orador afirmou que tem feito um levantamento através do estágio Pós-doutoramento na Universidade Federal Rio de Janeiro de todas as dissertações e teses brasileiras sobre literaturas africanas, entre 1979, quando foi a primeira, até 2019, 04 décadas, portanto, que as universidades brasileiras vêm pesquisando escritores e escritoras de África, deste levantamento, obteve mais de mil pesquisas sobre isso. Ademais, afirmou que, a conversa se limitaria a LITERATURA MOҪAMBICANA NO BRASIL, recorte feito do seu trabalho que, posteriormente, vai resultar em livro.

Contextualizando o tema, o orador deixou ficar o seguinte:

“ Primeira coisa que eu acho importante dizer é que esse interesse brasileiro pelas literaturas africanas é relativamente recente. Assim como as próprias literaturas africanas. Em 2003, quando o Presidente Lula assumiu o seu 1º Primeiro mandato, o seu Governo criou uma serie de políticas para as populações afro descendentes brasileiras, tudo foi articulado a partir da percepção do racismo no Brasil, então foi uma política anti racismo, um dos pontos dessa política foi uma lei, a lei 10 639 que instituiu a obrigatoriedade do ensino, em todos o níveis, de cultura e história Afro brasileiro e Africanas. A partir daí, aumentou o mercado editorial para as literaturas africanas e especial aquelas escritas em português, e também, estudos sobre essas literaturas. Foi assim o movimento de resgate das raízes africanas em nome dos negros brasileiros. É o que se chama de política afirmativa. Claro que nem tudo foi perfeito nessa lei, pois, há muitas críticas sobre ela, de um lado, as criticas de que ela foi mal implementada, é que faltou treinamento dos professores por exemplo, de outro, as críticas dos racistas brasileiros que hoje estão no poder, dizendo que era um privilégio a um grupo étnico racial e que isso só aumentaria o racismo e etc.”

O orador situou-nos, “farei um breve preambulo histórico para situar (…) veja, o Brasil tem um histórico longo sobre o racismo. Foi o país que mais recebeu africanos escravizados. De cada 10 que cruzavam o Atlântico, 04 vinham para o Brasil. Depois o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, o que ocorreu em 1888, a abolição não significou cidadania aos escravizados, pelo contrário. Já naquele período começavam no Brasil políticas eugenistas, como a vinda de emigrantes Europeus para o futuro embranquecimento da população desejadas por nossas elites, isso durou até a década de 1930, quando se criou no país uma ideologia da mestiçagem. Sendo o seu maior teórico o antropólogo Gilberto Freyre. Criou-se a ilusão de um país sem racismo e sem desigualdade. Posteriormente, as ideias do Gilberto Freyre, seriam adoptadas pelo governo ditatorial de Portugal, comandado por António Salazar. Houve uma propagação das ideias de ausência de racismo difundidas para justificar a ocupação portuguesa nas colónias africanas através da ideologia do luso tropicalismo, nessa ideia, a colonização portuguesa seria diferente daquela dos ingleses ou franceses, pois, não conteria racismo. Durante a secunda metade do século XX no Brasil as comunidades negras começaram a se organizar e a ganhar espaço muito lentamente na vida política. Foi só a partir do Governo Lula da Silva, porém, que houve de facto políticas que as contemplassem. Por exemplo, as cotas raciais nas universidades, a Lei 10 639 que eu citei antes, entra nesse contexto, foi nesse ponto que as literaturas africanas passaram a ser mais difundidas no Brasil.

Sobre o mercado editorial o orador discutiu o assunto a partir da sua pesquisa em dissertações e teses de literaturas africanas. O seu interesse é de mapear um campo de estudos que acredita ser bem recente e que diz respeito, segundo o orador, de reconstruir o cânone literário e tornando-o menos europeu. Nesse sentido, disse o orador, houve grande interesse no Brasil nas últimas duas décadas de lermos e estudarmos mais as literaturas africanas, mas, também as literaturas indígenas brasileiras e também a literatura produzida pelas mulheres. Isso modifica a própria literatura brasileira que passa a se alimentar de outras influências, enfim, nós chamamos a isso de um esforço decolonial (Sic), isto é, que actua para fazer a colonialidade que ainda existe nas nossas universidades e nas nossas concepções de literatura. Na minha investigação, fica nítido que o crescimento dessas literaturas é algo mais recente. Mais das metades das pesquisas com literaturas africanas se deu a partir 2013 para cá.

Fica claro para mim, que os estudos da literatura moçambicana, a partir das questões culturais, fazem parte de um esforço comparatista entre as nossas sociedades” – Ricardo Pedrosa Alves

No inicio o que se estudou mais, foi principalmente, as literaturas angolanas e cabo verdianas. A relação entre Brasil e Angola, foi muito importante desde o século XIX, século XVIII, além disso, muitos dos revolucionários angolanos, já no século XX, eram também escritores. Como é o caso de Luadino Vieira e Pepetela. Então a literatura Angolana chegou antes aqui, esses dois, foram os autores mais estudados até 2003. Foi, justamente aí, que Mia Couto, e a literatura moçambicana passaram a ganhar espaço. Para se ter uma ideia, hoje, Mia Couto, responde por 25% do total de dissertações e teses, já realizadas no Brasil. E isso em menos de 20 anos.

Estou situando nesta fala, apenas Angola e Moçambique. Pois, os estudos sobre outros países africanos, seja, o que se expressam na língua portuguesa, seja os que escrevem francês ou inglês, aparecem em menor número. É importante dizer que a abordagem brasileira sobre os estudos da literatura angolana e moçambicana é diferente. Nos escritores angolanos, em geral, é estudada a relação entre história e literatura. Ou seja, como a literatura traduz ou é influenciada pela história. Seja a história recente do processo de independência, seja a história colonial. Nesse último caso, entram, desde as delações entre o Brasil e Angola, no século XVIII e XIX até a figura da rainha Ginga, cultuada aqui no Brasil, como exemplo de força da mulher africana.

Quanto a literatura moçambicana, porém, e penso que, particularmente, a partir das obras de Mia Couto e Paulina Chiziane, o que se estuda mais são as questões culturais, antropológicas. Então, história para estudar a literatura angolana e antropologia para a literatura moçambicana. Nesse sentido, penso que, os estudos da literatura moçambicana acabam, até, por serem menos politizados que os da literatura angolana.

Fica claro para mim, que os estudos da literatura moçambicana, a partir das questões culturais, fazem parte de um esforço comparatista entre as nossas sociedades. Tanto assim, que muitas obras moçambicanas são comparadas nas dissertações e teses a obras brasileiras. É o caso da comparação de Mia Couto e Guimarães Rosa, ou entre Paulina Chiziane e Conceição Evaristo. Assim, estudam-se questões como, a oralidade, os costumes, em especial, nas relações de género, ou, em aspectos como a religiosidade e as relações entre tradição e modernidade. Tenho notado também, o aumento de estudos que tratam da questão geográfica, isso se dá, por exemplo, nos estudos sobre João Paulo George Coelho, autor que procura situar seus livros em diferentes regiões moçambicanas. Também existe, um interesse cada vez maior em ressaltar a condição Índica de Moçambique. O que acentua o carácter multicultural da formação histórica. Isso se dá, por exemplo, nos estudos dos poetas. Como nos temas líricos sobre a ilha de Moçambique. Então, esses aspectos, como geografia, e a relação multicultural com o oceano Índico acabam por ressaltar, também, a questão ecológica, os desastres naturais, são temas bastantes presentes nas análises.

AUTORES MAIS ESTUDADOS E AS OBRAS MAIS CITADAS

 Ungulani é meu autor preferido entre os moçambicanos. Vejo que ele não faz uma visão amenizada, ou poetizada de questões que no fundo, como escreveu o Gilberto Matusse, são questões trágicas, como a guerra, a fome, os desastres naturais. Ungulani põe o dedo nas feridas. Inclusive nas feridas históricas. E por isso que penso que faça uma literatura mais interessante.” – Ricardo Alves

Sobre os autores mais estudados e as obras mais citadas o orador deixou ficar, primeiro falarei de Mia Couto, com 25% dos Estudos, Mia Couto acaba tendo um lugar paradoxal, pois ele acaba sendo visto no Brasil como O AFRICANO. Isso tem um significado político também, antes de falar desse significado político, é importante dizer que os motivos de sucesso de Mia Couto no Brasil e no mundo, parece dever se também ao tipo de literatura que ele pratica. O primeiro Ponto, é o género literário, hoje em dia, o privilégio dos géneros narrativos é evidente, quase não se estuda a poesia, romance e contos vendem muito mais, principalmente, romances. E são muito mais estudados. E Mia Couto, obviamente, é mestre nesses géneros. O segundo ponto é que a literatura de Mia Couto é acessível, bem escrita, lúdica e poética. Isso ajuda na sua popularização. Também é um autor que pode viajar muito. Há dezenas de entrevistas de Mia, aos principais canais de Televisão e Internet no Brasil. Se não me engano, ele tem uma filha que mora no rio de Janeiro, o que ajuda que tenha vindo muitas vezes ao país.

Eu disse que iria falar da condição política também. Mia Couto é um claro defensor da democracia e dentro de alguns limites, também faz crítica de alguns poderosos de Moçambique. Cito por exemplo o livro de ensaios E SE OBAMA FOSSE AFRICANO, interessantíssimo. Mas há uma questão, talvez mais importante, a defesa que Mia faz de Moçambique como um país multicultural na luta contra o racismo de todas as espécies. Tem para mim que este é o ponto central, pois há uma defesa de multiculturalismo surgida nos Estados Unidos que veio desde a década de 1980. Agora, se isso condiz, ou não com a realidade moçambicana, esta é uma questão que eu não tenho condições de responder. Por exemplo, ele trata de condições horríveis como a guerra civil através de uma linguagem poética. Isso é bom? Isso é ruim? Penso que vocês, melhor que eu, saberiam opinar sobre.

Entendo que isso seja diferente em outros autores, como Ungulani Ba Ka Khossa. Ungulani é meu autor preferido entre os moçambicanos. Vejo que ele não faz uma visão amenizada, ou poetizada de questões que no fundo, como escreveu o Gilberto Matusse, são questões trágicas, como a guerra, a fome, os desastres naturais. Ungulani põe o dedo nas feridas. Inclusive nas feridas históricas. E por isso que penso que faça uma literatura mais interessante. É o mesmo caso da Paulina Chiziane. E mesmo que alguns a possam considerar como conservadora nos costumes, sua literatura é um grito importantíssimo contra a opressão das mulheres. E ela faz isso criticando essa opressão em todos os tempos históricos. Seja no tempo colonial. Seja no tempo revolucionário e nos tempos capitalistas de hoje em dia. Eu acompanhei daqui algumas polémicas quanto a escolha da Paulina como a homenageada na recente feira de Maputo. Ora se ela incomoda, é por trazer algo diferente do que está estabelecido.

Ungulani esteve no Brasil, 2018, 19, não tenho certeza. E Paulina Chiziane também vem constantemente ao Brasil. Principalmente, trazida pelas universidades e pelas organizações de movimentos sociais. Essa vinda ao Brasil dos autores moçambicanos, mesmo dos mais jovens, como é o caso de Pedro Pereira Lopes, é essencial para a divulgação da literatura do vosso país. Infelizmente, como disse no inicio, hoje, isso se encontra bastante prejudicado, seja pela crise económica, seja pelas políticas de educação que surgiram após do que eu chamo de Golpe de 2016, quando houve um pitiman da Presidente Dilma Roussef.

Sobre as obras mais estudadas, as obras de Mia Couto, seriam, O OUTRO PÉ DA SEREIA, A COFISSÃO DA LEOA E TERRA SONÂMBULA. Mas todos os seus livros já receberam a atenção de pesquisadores. É um homem que está nas livrarias. Nos principais pontos de destaque. Como o Paulo Coelho, como Dan Brown. Já com Paulina, o que mais se estuda é NIKETCHE e O ALEGRE CANTO DA PERDIZ. Gostaria também de falar de outros nomes moçambicanos estudados aqui, algo que nem se compara com Mia e Paulina, são eles, pela ordem de citações, José Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Knofli, Borges Coelho, Ungulani, Lília Momplé, Patraquim, Nelson Saute, Luís Bernardo Honwana, há outros, ainda em menor número. Vocês devem ter notado que não há os jovens escritores. Só agora eles começam a ser lidos aqui, mas ainda não receberam dissertações ou teses. Estou falando principalmente do recorte da minha pesquisa que no momento está até 2019. Isso se dá pela ausência, ou pouca presença no mercado editorial. De qualquer forma, já são lidos, Pedro Pereira Lopes, que acaba de lançar um novo livro no Brasil, o MUNDO BLUE ou POEMAS EM QUARENTENA, Amosse Mucavele, Hirondina Joshua, Hélder Faife, entre outros.

 

Eu tenho uma hipótese de trabalho quanto as diferenças entre a recepção portuguesa e a brasileira para as literaturas africanas. A primeira, pode ser situada no cultivo que há em Portugal. Mais do que no Brasil de uma comunidade lusófona. Tomo o caso de Mia Couto. No Portugal, Mia Couto aparece como autor africano moçambicano que se expressa na língua portuguesa e é lido no mundo. O que se ressalta é a língua portuguesa. No Brasil, a apropriação de Mia Couto, é muitas vezes, feita pelo realismo mágico da sua literatura e por uma suposta tradução de linguagem que ele faria da oralidade moçambicana. Nos dois casos, parece haver equívocos, no caso de Portugal, Mia Couto, é quase um Português, no caso do Brasil, é quase um brasileiro que se apropria da linguagem oral e inventa uma linguagem literária como no caso do escritor brasileiro Guimarães Rosa, com quem ele é sempre comparado.

Mas existe uma questão ainda mais importante no caso brasileiro, que é o paradoxo racial, se a lei 10 639 que impulsionou no Brasil os estudos de literatura africana, é uma política racial afirmativa, anti racista, o que faz com que o principal autor lido no Brasil, o mais estudado, e mais vendido, seja um autor branco. Isso não acontece só com a literatura africana em Língua Portuguesa, pois, entre os autores de expressão em Língua inglesa ou francesa, o mais lido é um branco, o sul-africano J M Coetzee. Essa situação, alem de mostrar que existe uma associação, entre o capitalismo mundial como um todo e um racismo estrutural, mostra ainda, mais claramente, a situação no Brasil, da qual eu faço parte. Não significa em hipótese alguma que eu, por ser branco, não deveria, ou poderia estudar as literaturas africanas, não penso que seja isso, parece, porém, que a permanência colonial, que é uma permanência racial branca, ainda predomina.

Por outro lado, esse é um processo com bastante dinamismo hoje em dia. Já existe no Brasil, alguma discussão sobre o porquê privilegiamos um autor branco como o Mia Couto, reforçando um cânone com cara Europeia. Vejam, não segue aqui, nenhuma restrição a obra de Mia Couto. Não se trata disso. É uma obra excelente. Trata-se de como funciona a instituição literatura e como ela se relaciona com as mudanças na sociedade contemporânea. O exemplo oposto de Mia Couto é o de Paulina Chiziane, apesar de nunca ter contado no Brasil o privilégio editorial que obteve Mia Couto, Chiziane é autora moçambicana que mais cresceu no Brasil na última década e isso, repito, sem apoio editorial consistente. Quase a totalidade das pesquisas sobre a autora, tratam de temas como escrita feminina, representação da mulher moçambicana, patriarcado, poligamia, luta pelas mulheres negras etc. Como eu disse, houve um grande incremento, em parte, devido a política de cotas raciais no Brasil de população Negra nas universidades. Então houve uma busca de identificação através da obra de Paulina Chiziane. Nos cursos de Letra isso foi notável. São mulheres e muitas vezes, mulheres negras, as que mais estudam Paulina Chiziane. Eu particularmente, acho NIKETCHE um livro excelente e actualmente, estou escrevendo sobre ele um artigo comparando-a com uma escritora brasileira.

“…existe um limite nos temas a investigar nessas autoras, e talvez seja necessário, o surgimento de novas escritoras, o que parece não estar acontecendo, ao menos, no mercado editorial brasileiro” – Ricardo Alves

Para fechar a primeira parte da conversa, o orador deixou ficar, então, são dois opostos, Mia Couto que se fez literariamente pelo grande mercado editorial e Paulina Chiziane, que se fez literariamente no Brasil de modo mais político. Nas militâncias brasileiras do feminismo e da negritude. Eu diria mais, o sucesso de Paulina Chiziane junto as mulheres brasileiras negras, não só negras, tem ajudado a aumentar o interesse por outras autoras, como Sónia Sultuane, Lília Momplé, e mesmo por Noémia de Sousa. Agora, existe um limite nos temas a investigar nessas autoras, e talvez seja necessário, o surgimento de novas escritoras, o que parece não estar acontecendo, ao menos, no mercado editorial brasileiro.

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