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Uma roda e frota na arqueologia dos discursos, poemas de Britos Baptista

 1.


Vento toca timbila

nos teclados

do mar


2.


Na sacola de palha

na mão esquerda do Cabo cabe:


o peso de uma granada 

de papel;

um relógio de tédio pendurado 

no peito de Afungi;

o suor das ruas de Mocímboa

— a voar no solitário céu do Wimbe;

os tantos abertos olhos dum exacto silêncio;

uma roda e rota e frota e porta

na lamacenta arqueologia dos discursos;

um redondo mapa nos rijos joelhos do sol;

os braços duma magra vela

— a olhar um rio de algas

— a nadar

nos olhos do crocodilo;

a embriaguez nos pés do fogo;

as nuas costas da bala. Perdida?;

o cordão umbilical da guerra;

as barbas em chamas na metralhada  nortenha metrópole;

o nariz das campas na pele dos homens;

os corpos sem ar sobre o chão dos pulmões;

os capitães da caça 

na vertigem das máscaras de Mueda;

o crânio do escuro na luz

do abismo;

os cabelos de mágoa de Palma

nos espelhos da dor;

a tonta cor cinza 

nos ventos que o incêndio ergue;

a sombra dos homens deitada

no colo das estradas;

os erguidos calcanhares das lâminas;

nas acções do teatro 

a quem joga as almas ao aroma dos facões;

gordas rectas tábuas no sorriso

dos enigmas;


só não cabe na mão direita do improvisado executivo objecto:


o solidário chapéu  

dos meus santos vizinhos. Santos?;

amplas mãos estrangeiras de mim;

os remos dos arcos e flechas 

do Licungo;

as balalaicas  das burguesas pedras;

o pranto dos lagartos de casa;

o sangue dos pássaros 

de papel;

as famintas bocas dos cadafalsos;

as adiadas luas dos mortos;

o coração dos abutres;

a voz dos mísseis 

— na mimética ciência da última curva;

as ruínas da bombardead esferográfica;

a matriz do fim no assento do baloiço;

um cigarro a fumar a humanidade com os pés;

as asas da Maria submersas no café dum Hércules de palmo e meio;

a fome a tocar a viola no ventre dos reassentados de Macomia;

as tréguas;

o sal na pupila da densa noite

a gaguejar o martírio dos açoites; 

os largos passos do petróleo ao interior da pele do verbo

que arde em mais de mil agoras;

alas lançadas nas valas;

os arames que escrevem a teia dos gatos;

as azuis manobras sobre a luz das matas;

a calada irá dos galos de verde crista;

a absoluta cegueira dos corvos vermelhos!


3.


Então

deus segura 

minha mão

ele

tem o céu 

dos meus olhos

nos bolsos

juntos 

trilhamos alma 

do caminho

mas 

só ele sabe 

para que abismo 

vamos


4.


Então

os gajos plantaram 

pedra 

e,

ficaram à espera 

que de lá

germinassem os pés

dos pássaros 





Biografia 
Britos Adriano Baptista nasceu na cidade de Mocuba, na província da Zambézia, em Moçambique. É licenciado em Tradução de Francês/Português, pela Universidade Eduardo Mondlane. É tradutor e interprete ajuramentado de Francês/Português e vice-versa. É escritor e poeta. É membro da AMOJOF (Associação Moçambicana de Jovens Francófonos) e membro organizador do Clube do Livro de Milange. Foi um dos vencedores do concurso de poesia ‘’ Desenha-me a tua liberdade’’, em 2016, e venceu o segundo lugar do concurso de escrita ‘’ Printemps des poètes’’, na categoria de poesia, em 2019.

 Tindzila 

pela Lei-Tura 


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