Avançar para o conteúdo principal

O Silêncio dos Escritores - Jessemusse Cacinda


Martin Luther King Jr. já afirmou que o silêncio dos bons deveria nos preocupar. Por isso, não posso ficar indiferente diante do silêncio ensurdecedor de um grupo de pessoas cuja arte reside em dizer coisas. Hegel chamou a literatura de "a escrita da palavra", enquanto Michel de Certeau a definiu como "a arte da escritura". Seja qual for a forma que escolhamos pensar, esta arte existe para ajudar a expressar.
Entretanto, recentemente ocorreram assassinatos com motivações políticas de dois cidadãos moçambicanos: o advogado Elvino Dias e o cineasta Paulo Guambe. Esses atos covardes e vis vitimaram figuras ligadas ao Eng. Venâncio Mondlane, amplamente reconhecido pelos moçambicanos como o vencedor legítimo das últimas eleições e, portanto, o verdadeiro presidente eleito do nosso país. Digo "verdadeiro" porque houve manipulações evidentes dos números, e como os manipuladores são amadores, um simples exercício de aritmética desmonta esse engodo. Mas, voltando aos escritores, diante desses assassinatos, eles se calam, revelando sua cumplicidade.
Se questionados, dirão que a missão do escritor moçambicano é retratar a identidade nacional, ou no mínimo escrever sobre o colonialismo ou sobre a guerra civil de 1977 a 1992. Se insistires, alegarão que seu compromisso é com a palavra, exibindo um elitismo barato ao afirmar: "Nosso compromisso é com o texto". Ora, uma palavra que não transmite uma ideia é uma palavra morta — já dizia Lev Vygotsky. Portanto, o silêncio deles é cúmplice.
Em Moçambique, existem dois tipos de escritores:
1. Os jovens escritores – dividem-se entre os que se indignam diante da morte coletiva da esperança em seu país e os que se refugiam no silêncio, reproduzindo o discurso de uma geração que, tendo quase tudo de graça, oferecido pelo Estado, usa suas letras para defender um projeto político que os alimenta.
2. Os escritores consagrados – detentores de um silêncio profundo enquanto o país arde e de uma moral que impede os jovens de usar suas canetas para se indignarem. Os consagrados permanecem sentados, apáticos a tudo e a todos, ansiosos por um prêmio de carreira ou uma posição ministerial. Certamente se beneficiarão dessas mortes.
Por que não passamos a chamar esses escritores consagrados de "nhonguistas da palavra"? Parece-me um nome apropriado, pois é evidente sua incapacidade de dizer "basta" a um Estado que institucionalizou a barbárie e incapacitou seus filhos de serem pessoas normais neste mundo.
Jessemusse Cacinda
20/10/2024

Comentários

  1. Cacinda, saudações!
    Tem toda razão para se indignar, mas não se pode cobrar muito a uma geração que nunca aprendeu a ter ideia própria, a pensar por si. Não se pode aprender a pensar com neutralidade quando todos os dias o exercício e contrário.
    Somos, talvez, uma geração de "nhonguistas" a caça de prémios e fama, mas talvez com pouca ou nenhuma consciência do significado desta arte. Fazemos arte de conveniência. Arte de barriga . Não se esqueça que para certas visões a Arte comprometida é infra-arte. Está fórmula ambígua pode criar grandes dificuldades para o artista compreender o seu papel social pensando que parte dos problemas sociais não fazem parte da arte.
    Esquecem-se os artistas que foram algumas elites até politicas que definiram tais principios, exactamente para evitar que artistas, voz forte da sociedade, reflectisse sobre certas irregularidades da vida das sociedades.
    Creio que cada artista está neste momento a pensar que papel desempenha dentro desta sociedade.
    Em nossas reflexões há que pensar, como a escrita pode edificar uma sociedade melhor e mais justa.

    ResponderEliminar
  2. De como canta um artista *Somos todos filhos da mãe*.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Edite o seu comentário aqui...

Mensagens populares deste blogue

“Amor como caminho de crescimento” em “Amei para me amar”, de Nyeleti - PPL

  Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.   É um não querer mais que bem-querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.   É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. — Soneto de Luís Vaz de Camões (p.31)   Livro “Amei para me amar”, da escritora Nyeleti, é uma obra que transcende os limites da literatura, emergindo como um importante documento que mescla a literatura, a sociologia e a psicologia. Será um livro de auto-ajuda? Um depoimento? Não cabe a mim dizer, mas a sua estrutura em muito  me lembrou os Doze Passos para o tratamento do alcoolismo, criado por Bill Wilson pelo Dr. Bob S. Dividido em 13 capítulos temáticos, como “Todos somos falhos”, “Quando e como amamos demais”  e “Por que dou mais do que recebo?, o livro se revela uma janel

Análise ao poema do escritor e editor Jeconias Mocumbe que faz parte da Colectanea Ocaso por Zacarias Nguenha

O poema " Poema articulado " de Jeconias Mocumbi é uma reflexão complexa sobre o tempo, a memória e o simbolismo. Ele utiliza uma linguagem rica e evocativa para explorar temas de perda, transformação e o desejo de retorno a um estado de inocência. a) Estrutura e Repetição: O poema é marcado por uma repetição notável da linha "nunca nos foi cedo ou tarde / para que a ave branca fosse a bússola", que funciona como um refrão, reforçando a ideia central de que o tempo é relativo e que a busca por orientação (a ave branca como símbolo) é uma constante na experiência humana. b) Imagens e Simbolismo: A "ave branca" aparece como um símbolo de pureza, esperança e talvez guia espiritual. Seu papel como bússola sugere a busca por direção em um mundo confuso. A imagem do "mar" fluindo no "sangue" com a "ternura de uma flor ressentida" adiciona um tom de melancolia e complexidade emocional. O "mar" e a "flor ressentida"

JECONIAS MOCUMBE LANÇA “O LADO SUJO DA METÁFORA”

Gala-Gala Edições Maputo, 22 de Julho de 2024  Será lançado, no dia 2 de Agosto, pelas 17h, no Inhambane-Hotel Escola, na cidade de Inhambane, o livro “O Lado Sujo da Metáfora”, da autoria do poeta e editor Jeconias Mocumbe. A obra será apresentada pelo professor Alberto Mathe e comentada por Stélio Daniel. Em seu quarto livro de poemas, Jeconias Mocumbe, que ainda apresenta duas colectâneas de poesia em co-autoria na sua bibliografia, adopta um estilo de texto curto, límpido e directo, em que a linguagem é cortante e atinge o ponto de ebulição. “O Lado Sujo da Metáfora” tem 84 páginas e está dividido em dois cadernos, nomeadamente, “A idade e outras vaidades” e “A ilha dos teus ossos em meus olhos”, que formam um único poema. O livro integra a colecção Biblioteca de Poesia Rui de Noronha, da Gala-Gala Edições. Para o escritor Pedro Pereira Lopes, editor do livro, “a maior parte dos textos do livro revelam a profundidade e a subtileza do haicai, através de versos curtos e precisos. E a