A tensão política de Moçambique não é nova. Ela é uma sombra longa e fria que nunca vai embora. Um fardo pesado a ser carregado e que ninguém sabe como deixar para trás. Ela sufoca tanto quem está nas ruas quanto quem, atrás dos escudos, segura as armas.
E, Moçambique, chora em silêncio. Chora pelos seus mortos, pelos seus vivos, pelas suas dores invisíveis. Chora porque, agora, terra de ninguém, nela todos perderam algo — a jovem, o velho, o policial. Perderam porque esqueceram que, em algum lugar, são todos feitos do mesmo sangue, da mesma terra.
A praça é este espelho rachado. O caos das ruas reflecte os cacos de um país que já não sabe como se reerguer. O sol da tarde é cruel, lançando a sua luz contra os rostos marcados pela guerra, pela fome e pelo cansaço de gritar aos ouvidos que nunca ouvem.
Os cartazes balançam como bandeiras de um povo à deriva. "Queremos justiça!", dizem uns, mas que justiça cabe neste lugar onde a voz se perde antes de soar? As palavras escapam ao vento, morrem antes de encontrarem abrigo. Mesmo assim, ouvem-se gritos. Grita-se porque não há mais nada, senão o eco vazio das vozes.
Do outro lado, em uma linha fria e imóvel, estão eles: os homens fardados. Não são estátuas, é pior, vivos, mas sem alma. Olhos perdidos, quase vazios, encarando aqueles que, ironicamente, também lutam por eles. Talvez saibam disso e não queiram saber.
O primeiro disparo veio sem aviso. Um estouro seco que abriu ainda mais o abismo entre os dois lados. O gás subiu em nuvens que encobriram o céu e o coração das pessoas. Uma jovem caiu. Não de cansaço, mas porque o chão de Moçambique insiste em engolir seus filhos. Ladeado a jovem, um homem velho levantou-a como se quisesse resgatar não apenas o seu corpo, mas também a sua dignidade. Ele murmurou algo que ninguém pôde ouvir. Talvez fosse uma prece. Talvez fosse um lamento. Mas o que fazia um policial erguer o cassetete contra o povo? O que fazia aquele braço se mover com tanta violência? Era o medo, talvez. Ou a necessidade de obedecer. Mas por trás daquele uniforme havia um pai, um irmão, um filho. Um homem que, em casa, dividia o pão contado e sonhava com um futuro que nunca parecia chegar. E ainda assim, ali estava ele, apagando com golpes os mesmos sonhos que, em silêncio, também lhe pertenciam.
A praça tornou-se um cemitério de esperanças. Cada grito sufocado era mais uma lápide invisível. Os rostos mascarados de gás e desespero não podem esconder a verdade: o povo sangra, mas também os homens de uniforme. Eles apenas ignoram isso.
Naquela noite, quando as multidões se dispersaram e o silêncio voltou a reinar, uma estrela solitária surgiu no céu. Era uma luz fraca, distante, quase tímida. Mas estava lá, como se quisesse lembrar que, mesmo na escuridão mais densa, há algo que insiste em brilhar.
E assim, anseia-se que o país siga. Não se vive, apenas se sobrevive. Entre o eco das vozes e o peso do silêncio, Moçambique continua a lutar, mesmo que já não saiba porquê.
Dércio Manhique
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