**
(08 de Maio de 2021)
[...] não corram para a vossa afirmação literária. Tudo é um processo. É preferível você ter calma, afirmar-se literariamente bem, com os pés muito bem assentes na Literatura, com pilares muito bem, do que correr publicar um livro só para ser escritor que depois não vai ser escritor nenhum. Depois vai se frustrar, sozinho. Porque há-de ver que ninguém vai ler, ninguém vai falar da sua obra, que ninguém vai reconhecê-lo como escritor. As consequências disso são a frustração. E a frustração é como uma bola de neve, traz outras consequências também, o que é mau. Portanto, o meu conselho é ter muita calma, estudar muito, ler muito. Se é prosador, vai ler prosadores bons; se é poeta, vai ler poesia e boa poesia. Há-de encontrar o seu próprio caminho. Há-de aprimorar a sua própria técnica, a sua própria escrita. É isto que é extremamente importante.
Muitos dos jovens ____ eu noto nas redes sociais ____ escrevem um texto e quando outro corrige "essa palavra não é assim" , logo zanga, fica zangado...esse quer mesmo ser escritor, uma pessoa que se zanga por ter sido corrigida, quer mesmo ser escritor amanhã? Temos que ser humildes, temos que saber aprender com todos: com colegas, com os mais velhos, com os mais novos. Eu próprio que vos falo aqui estou em permanente aprendizagem. Muitas das coisas eu aprendo com os mais novos. Com os próprios filhos, ensinam-me muitas coisas. Então, temos que nos abrir para o conhecimento.
[...] eu nunca considerei a possibilidade de desistir, porque eu queria ser escritor. Abdiquei de tudo mais alguma coisa para ser escritor. Cuidado: não é fácil. Literatura não dá dinheiro. À partida, vamos assim dizer "Literatura não dá dinheiro". Mesmo depois de publicar livros, não pense que isso dá dinheiro. Mas cria condições para algum dinheiro. Faz-te conhecer o mundo, faz-te conhecer pessoas e através desse mundo e dessas pessoas dá-te algum dinheiro. Portanto, nunca se desiste no querer ser.
[...] e porque eram escassos os espaços para a publicação naquela altura, nós como jovens decidimos criar uma revista literária chamada *Charrua* . Essa revista era justamente para dar vazão a nossa produção literária, aos nossos textos. A *Revista Charrua* publicou 8 números e morreu. Ou seja, matámo-la. E por que é que a revista morreu já no seu oitavo número? Porque todos nós já estávamos emancipados. Porque achamos que cada um de nós já podia marchar pelos seus próprios pés, isto é, publicando os seus próprios livros. Quando a Associação dos Escritores Moçambicanos criou uma colecção chamada " Início" , o primeiro livro foi de Juvenal Bucuane, depois Eduardo White, depois Bento Sitoe que publicou um livro escrito em changana...eu fui o quinto, depois veio Ungulani ba ka Khosa e os demais.
Outro dado que gostaria partilhar convosco: naquela altura, nem todos os livros eram autorizados para ler. [...] porque nesse tipo de regime o que impera é aquilo que nós chamamos de autocensura (você não espera que alguém diga o que deve fazer ou o que não deve; você sozinho, pelo sistema em si, autocensura-se). E nós passamos um pouco por isso. O único sítio onde nós nos sentíamos livres, como intelectuais, era justamente nas instalações da Associação dos Escritores Moçambicanos. Ali éramos permitidos falar de tudo, ler de tudo. Inclusivamente os nossos confrades do poder, refiro-me a Armando Guebuza, a Sérgio Vieira, a Marcelino dos Santos, a Jorge Rebelo, entre outros, quando quisessem expor as suas ideias, falar abertamente e livremente, vinham para Associação dos Escritores Moçambicanos conversar conosco. Mas tudo era ali dentro. Ai daquele que transportasse aquilo para fora dos portões! Isso já seria da responsabilidade dele. Nós passámos por isso. Conto-vos isso para saberem do percurso da Literatura Moçambicana. Nós chamávamos aquela associação da *República Independente da Associação dos Escritores* , em brincadeira, entre nós.
Quando fui convidado para ministro da cultura, eu perguntei ao presidente Armando Emílio Guebuza: afinal, o que é que queria de mim concretamente? E ele respondeu simplesmente: eu quero que cumpras apenas o plano desenhado para cultura. O plano quinquenal do governo. Meus amigos, nenhum ministro, é plenipotenciário. Eu não chego ao ministério e começar a inventar minhas coisas para fazer minhas coisas. Não! Há um plano que deve se cumprir. Por acaso eu tinha muita coisa na cabeça, mas não tinha muito espaço para realizar. Porque o plano quinquenal do governo já era grande demais, que necessitava de muito tempo para além de 5 anos.
[...] temos que nos reiventar. Sempre. Vocês do Projecto Tindzila estão a fazer um belíssimo trabalho, pelo que, estão de parabéns.
[...] temos que promover sempre para desenvolver a nossa Literatura, para o desenvolvimento das nossas artes. Que não sejamos enganados. NÃO ESPEREMOS DO GOVERNO. Uma sociedade viva é aquela que inventa projectos e programas.
*Agradeço ao Projecto Tindzila pela homenagem!*
Ah, Ana Mafalda Leite, minha amiga de todos os tempos!
Ah, Lucílio Manjate, meu companheiro de escrita, um dos nomes sonantes da nova geração!
Ah, Dra. Sara Jonas, essa estudiosa, acompanhante do processo literário moçambicano!
Ah, Dr. Gilberto Matusse, esse é um outro companheiro dos tempos, e ele disse muito bem no seu depoimento, desde Lisboa, desde as nossas tertúlias em Lisboa à Maputo, e ele refereiu-se muito bem, foi o primeiro ____ ele e o Nelson Saúte ____ a entrevistar-me quando o meu livro acabava de sair.
Muito obrigado pelos depoimentos, amigos!
Mais uma vez ao Projecto Tindzila, muito obrigado pela homenagem ao poeta que sou, aliás, sou porque vocês existem. Portanto, o meu compromisso é continuar a trabalhar para a poesia e para a Literatura Moçambicana, para o meu país ____ este é que é o meu compromisso sagrado.
*Últimas palavras:* não sei o que vos sugerir, mas procurem ____ para falarem com propriedade ___ essas últimas publicações dos novos autores moçambicanos. Creio que já leram um pouco de todas as gerações. Eu aconselharia a lerem realmente a nova geração de escritores moçambicanos. Estou a me referir, por exemplo, a um Lucílio Manjate, a um Mbate Pedro, Aurélio Furdela, Álvaro Taruma, Sangare Okapi ____ que é um dos grandes poetas deste país, da nova geração. Então, eu aconselharia a lerem esses escritores e outros, porque são esses autores que estão a dar o prosseguimento de todo um processo iniciado lá pelos nossos precursores da Literatura Moçambicana.
Um abraço a todos!
Armando Artur,
poeta moçambicano 🇲🇿
Síntese da conversa e edição do texto: *João Baptista*
Projecto jecto Tindzila
Unidos pela Lei-tura
Comentários
Enviar um comentário
Edite o seu comentário aqui...