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O livro que é Corpo, os poetas que são Espírito

 

Por João Baptista 



Em 2018, quando ainda estudava Literatura Moçambicana na Universidade Eduardo Mondlane, durante as férias, entrevistei um estudante da 12° classe, da Escola Secundária Samora Moisés Machel - Chimoio. A entrevista era sobre o Livro e os autores de Moçambique. E numa das perguntas, eu queria saber do estudante se conhecia o escritor moçambicano Pedro Pereira Lopes. E o estudante, quão engraçado é, também fez uma pergunta: Pedro Pereira Lopes? Pedro aquele que negou Jesus? Afinal o seu apelido é Lopes?

Eu disse que não. Falava do Pedro escritor emergente moçambicano, que acabava de vencer o Prémio Literário Eugénio Lisboa com a obra *MUNDO GRAVE* .

E o estudante respondeu com as mãos na cabeça que desconhecia esse sujeito. E que a primeira imagem acústica do Pedro de que lhe consultei era daquele Pedro que negou Jesus depois do galo cantar 3 vezes. 

Trago esta história real e desagradável, neste Dia Mundial do Livro, para realçar que os livros de escritores moçambicanos não circulam neste país (1), os livros de autores moçambicanos não são dados a conhecer aos alunos das escolas primárias e secundárias do nosso país (2), parece-me que não há *política de livro* em Moçambique (3), parece-me ainda que o *livro* não é prioridade para nós (4), oferecemos TUDO aos nossos filhos menos o LIVRO (5).

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Excelências, peço desculpa pelo empolgado intróito. Na verdade, deveria começar por saudar o excelentíssimo senhor administrador do Distrito de Inharrime, o senhor Director Provincial da Cultura e do Turismo de Inhambane e toda a sua direcção. A vossa presença, excelências, tanto nos honra e, para mim que é pela primeira vez a conhecer esta província, é um prazer enorme conhecê-los.

Aproveitando o ensejo, quero afirmar que *a província de Inhambane é poesia pela sua Natureza* . É só olhar para as águas cristalinas, as fascinantes paisagens e os coqueiros como estrelas do céu a tatuarem os olhos dos turistas.

Há muitos bons poetas em Inhambane. Otildo Justino Guido e Jeconias Mocumbe são apenas uma amostra. É preciso que o governo de Inhambane divulgue esses poetas e promova  concursos literários locais para a descoberta de novos talentos, de modo que Inhambane seja um dia o celeiro da poesia em Moçambique.

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Queridos participantes deste evento!


Foi-me atribuída a missão de apresentar este livro intitulado *ESPIRITUALIDADE POÉTICA* , uma obra de poesia de Joel Caetano (🇦🇴) e Jeconias Mocumbe (🇲🇿), este último, filho de Inhambane, que estreia hoje e agora em livro.


O título da minha apresentação chama-se *o Livro que é Corpo, os Poetas que são Espírito* .



*Espiritualidade Poética* é um livro de co-autoria de Joel Caetano e Jeconias Mocumbe. Com 40 poemas que constituem o livro, essa obra poética está organizada em 4 (quatro) partes fundamentais:



1ª- *Pedaços de versos ao acaso* (10 poemas);



2ª - *Amor e Desalento* (10 poemas);



3ª - *Atalhos* (10 poemas);



4ª - *Dialéctica* (10 poemas).



Cada parte do livro tem 10 poemas e ao todo são 40 poemas que constituem a obra.

O livro sai pela *Editora Kulera*, uma editora moçambicana nova no mercado editorial e já publicou 10 livros, incluindo este em ênfase.

Esta obra que tem 64 páginas teve a revisão de Hélder Tsemba, design gráfico de José Cumbana e Amândio Afonso,  ilustração de João Timane e o seu editor chama-se Emílio Cossa.

Pelo título, *"Espiritualidade Poética "* parece ser um livro didáctico, que vem para ensinar a olhar para o grau de espiritualidade de cada sujeito poético. Contudo, é praticamente uma resposta a irmandade que Moçambique e Angola vem tendo, como reforça Joel Caetano, um dos autores deste livro:

"Pensámos neste projecto pela dinâmica que a Literatura Moçambicana e Angolana tem marcado actualmente, com o surgimento de movimentos literários...

...Moçambique e Angola têm uma afinidade no que a instituição literária diz respeito."

O alicerce desta obra é suportado ou revestido por um título cujo teor nos remete ao cosmo e à metafísica.

Obedecendo ao plano metodológico: falemos de "Espiritualidade" para chegarmos à "poética" para sabermos, de uma só vez, o sentido real da expressão "Espiritualidade Poética" .

Então, o que pode se entender por "Espiritualidade"? 

Os Dicionários de Língua Portuguesa são unânimes ao afirmarem que é "a qualidade daquilo que é espiritual, que é relativo ao espírito". Fiquemos com a palavra "espírito", como sendo a chave do termo inicial. O que é mesmo essa coisa chamada "espírito"? 

O conceito de *espírito* propõe-nos diversos sentidos, como "entidade sobrenatural, como os anjos e demónios" , como "vida, ânimo, sopro, inteligência, imaginação, etc.). É, como Daúde Amade reforça, no prefácio deste livro:

"Esta ideia de espírito deriva duma concepção grega que foi largamente difundida pelos tempos, a ideia de que o espírito é o sopro animador do Homem."

Por sua vez, para falar de *Poética* , podemos levar todo dia para discutir em torno dele. É que "Poética" tornou-se numa disciplina de concentração muito séria, uma escola, onde muitos estudiosos da Literatura, da Poesia, em particular, se congregam.

Contudo, trago aqui, sucintamente, uma perspectiva de *Aristóteles* no seu livro *POÉTICA* . "Poética" está relacionada a Poesia. Aristóteles desenvolve nos primeiros capítulos o conceito de poesia, pelas suas notas fundamentais; e resultando ser ela "imitação de acção" , praticada mediante a linguagem, a harmonia e o ritmo, ou só por dois destes meios, divide as espécies de poesia pelas qualidades dos indivíduos que praticam a acção (objecto), do meio por que se imita e do modo como se imita; e essas espécies vêm a ser: ditirambo, nomo, comédia, tragédia, epopeia...

Ainda sobre a *Poética* , vamos fazer uma ponte com o *Dicionário de Termos Literários* de Massaud Moisés. Essa palavra é semanticamente instável, vincula-se, pela etimologia e por natureza, à *Poesia*. E falando em poesia, o mesmo Dicionário nos remete, logo no intróito, à ideia de mimese ou imitação já anunciado anteriormente.

Na *Arte Poética* , Horácio substitui as preocupações epistemológicas dos filósofos helénicos por outras de natureza ética: deleitar e comover seriam as metas dos poetas.

No texto grego da Poética figura a acção a imitar e a acção imitativa: o mito e a fábula. O mito (tradicional) seria, portanto, a matéria prima que o poeta transformará em fábula (trágica), elaborando-a conformemente às leis de verosimilhança e necessidade. Por consequência, o mito pertenceria à história e a fábula à poesia, que é coisa mais filosófica do que a história.

Portanto, depois deste pequeno enredo, podemos inferir que, "Espiritualidade Poética", é a manifestação e imaginação do poeta no processo de construção poética, narrando o poeta os acontecimentos, seja na própria pessoa, seja por intermédio de outras, ou representando as personagens a acção de imitar e agindo elas mesmas, ou representando a natureza e o meio através da linguagem, elemento fundamental da poesia desde o século XVIII até os dias de hoje.

Segundo Aguiar e Silva, no seu livro *Teoria da Literatura*, para que haja comunicação literária, é necessário que exista Autor, Obra e Leitor, codificado em *Emissor + Mensagem + Receptor* .

Nisto, quero dizer que não cabe ao apresentador do livro falar tudo sobre a obra, quero deixar também espaço para o público-leitor LER este livro e fazer sua própria recensão crítica.

Joel Caetano e Jeconias Mocumbe são os *emissores*, *" Espiritualidade Poética"* é a *mensagem* e nós os outros somos os *receptores*. 

Dizem que os livros não se apresentam, falando deles aos outros, pois eles apresentam-se aos leitores quando estes lêem (os tais leitores), e os mesmos vão preenchendo os espaços vazios.

Joel Caetano e Jeconias Mocumbe chamam as coisas pelos nomes, conferindo-lhes sempre o peso de alguma coisa. E dessa coisificação é que os verdadeiros poetas fazem o seu labor. Mas um labor estético.

Estes dois poetas assumem-se neste livro, só para emprestar a expressão de José Craveirinha, "grandiosos deuses humildes da palavra" , com um linearismo de sintaxe que é a contensão do ritmo em que a poesia deste livro não exorbita de um estilo sóbrio mas simultaneamente é um luxo natural.

Quem lê esta obra há-de ver que *Espiritualidade Poética* é um livro que revela a estética e a expressão dos conteúdos da imaginação por meio de metáforas ou palavras polivalentes.

Para terminar esta apresentação e para não ser injusto, tendo em conta que, dos dois autores do livro apenas um está presente, passo a ler a mensagem do poeta angolano Joel Caetano:

"Saúdo todos os presentes na cerimónia de lançamento do livro *Espiritualidade Poética* . Saúdo com bastante estima o meu par Jeconias Mocumbe, um poeta em altura, cujos textos no nosso livro contém uma abstracção espiritual que lhe é peculiar.

Nunca imaginei que um dia o meu nome ressoaria fora de Angola.

Na verdade, a concepção desta obra foi uma batalha renhida, onde o desânimo não poucas vezes visitou a nossa mente e o nosso coração, onde os dias somaram semanas, e semanas meses, e quando demos por nós, tinha se passado anos. Foi a paciência é querer, acima de tudo, que fizeram com que esta obra saísse ao público.


Ao editor da obra, parabéns pelo livro e por ter nos recebido! 


Um abraço a todos!


Joel Caetano

Luanda, 23 de Abril de 2021" 


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E pela atenção dispensada, o meu muito obrigado!!!





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