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O seu filho tentara caçar alguns carinhos nos primeiros dias em que este trouxe o trabalho para casa, mas uma rede elétrica foi montada no lado oposto a mesa. “Imaginem que deste lado tem fios elétricos que fazem vedação da minha mesa. Imaginem que não estou em casa. Devem tratar-me como se estivesse no trabalho”. Dissera nas primeiras horas do dia de trabalho remoto.
Num segundo dia, brigara com a sua esposa, pois ela não tinha feito o almoço e, quando este s queixou de fome, a esposa retrucara: “Amor, estás no trabalho. Deves ligar com antecedência para que possa enviar alguém com o teu almoço. Afinal, não estas em casa e, nós nunca fomos ao teu trabalho”. Foi a primeira vez, após o seu casamento que almoçou com pão com carapau frio e molho de tomate.
No terceiro dia, já tinha retirado a cerca invisível em sua casa, mas tinham horários que ele mesmo estabelecera para os seus intervalos. Com trabalho todo adiantado, brincava com a criança. Lia as histórias. Dançavam. Cantavam. Enfim, eram momentos que ele jamais apreciara. “Meu filho está a crescer”. Notou com os olhos tenros.
No quarto dia, sentado em sua mesa sem nada a fazer. Sofrendo de solidão existencial, decidiu violar a sua própria norma. Antes das 12h, ele abandonou o seu escritório. Sai para fora. A Leia, a sua esposa, encontrava-se a lavar as roupas. Ele parou na porta por alguns instantes contemplando os gestos dela. “Nossa… Que coisa linda!”. Suspirou observando atentamente aqueles gestos das mãos esfregando a roupa. Leia trazia um vestidinho rosa, que não chegava aos joelhos. As mangas eram apenas dois fios que sustentavam a terminação do vestido na circunferência do topo. Naquele vestidinho, as ‘bundas’ da Leia pareciam o nosso continente Africano na parte ocidental. Os seus seios, duas papaias maduras, prontas para serem trincadas.
Mateus viu o quanto tem sido cego. “É tudo meu aquilo”. Suspirou novamente, sentido calor em todo o seu corpo. Às águas que caiam sobre o corpo da Leia, formavam uma bela cascata nos olhos do Mateus. Ela parecia a montanha de águas vivas, que matou a sede dos Israelitas na fuga do Egipto à terra prometida. “Ela é a minha terra prometida. Porquê andei em desertos, tendo em casa o paraíso do Éden moldado pelas mãos do Altíssimo?”. Pensava com um belo riso na face. Nas expressões dos seus olhos, não existia mais tédio. Nem solidão. Nem vazio existencial. O mundo parecia ser e existir simplesmente naquele quintal. E todas as leias universais, agiam no corpo escultural da Leia.
“Amor, hoje vou te coronar”. Disse ele sorrindo. Ela olhou despercebidamente e mostrou um belo riso. Mateus notou que ela não percebera às suas palavras. Aproximou-se dela. “Podemos lavar juntos?”. A Leia ficou surpresa. “E o trabalho amor?”. Questionou. “Nessa casa eu sou o Rei e tu és a rainha. Estou às suas ordens hoje e sempre”. Ela admirada, pediu que o Mateus pegasse nas roupas e as colocasse no estendal. Os dois pareciam crianças emocionadas. Dois adolescentes apaixonados. Como se aquele momento, fosse o primeiro dia de casamento morando na mesma casa. Seus corpos molhados. Seus olhos, nem o sol de junho da minha terra amada, lá na província de Tete, podia exceder aquele brilho. Os seus sorrisos, pareciam o desbrochar de uma flor no estio.
Beijaram-se como se fosse uma despedida. As suas mãos percorriam em lugares incertos. Perdiam-se na loucura daquele fogo ardente que camões descreveu. Suas almas queimavam e seus corpos suados transpiravam. “Hoje, quero te coronar toda Leia”. Disse ele. “Já estou totalmente coronada. Mate esse vírus com o calor de ti. Dizem que o vírus não resiste a altas temperaturas. Faça os meus termómetros corporais atingirem temperaturais vulcânicas”. Ahm, foi um momento solene. Preces divinais realizados pelos seus templos.
Mateus viu que o tempo com a família, era algo precioso. Comparava-se a uma oração às 3:00h da manhã. Trazia milagres inimagináveis. Realizações inconcebíveis. Quando ambos se vestiram, a Leia teve a graça de mandar uma piada. “Sr. Director, volte ao seu escritório”. Olhou-o nos olhos sorrindo. Deu-o um beijo longuíssimo. “Amor, faça-me teu escravo. Nada de trabalho, porque hoje, só quero te coronar”. Ambos sorriram. O Tempo, deixou de ser uma variável física naquele instante. Isaac Newton era um aprendiz na lei da impenetrabilidade, pois, no mesmo espaço cabiam dois corpos.
Ambos dirigiram-se para cozinha. Dividiam todas as tarefas. E sempre se ofendiam com beijos e abraços. Jamais imaginaram que a mesma receita, preparada por duas pessoas que se amam, sai um manjar dos deuses. Naquela tarde, ninguém pegou o remote da Tv. Foi uma tarde de música. Dança. Poesia. Jogos. Até anoitecer.
A noite, após o jantar, enquanto ele lia um livro, algo que a correria do dia-à-dia não o permitia fazer, escuta a voz da sua amada no quarto: “Amor, estou descoronada. Venha me coronar por favor”. Ele salta prontamente. Dá um grito de lobo. Uivando como se a lua estivesse cheia. Abre a porta do quarto e diz: “Amor, hoje vou te coronar”.
Álvaro dos Reis
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