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A Moça com dois maridos e a visão do Mazione


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Já faz tempo que o Alfredo vem desconfiando das saídas repentinas da sua amada. A tamanha estranheza residena quantidade de sexo que ele recebe em casa. A joana dá-lhe a fruta como se estivesse a medir em copitos. Mas desta vez, a Joana exagerou. Passam sete dias que ela não pisa em casa.
O Alfredo ama demais a sua amada, e para tudo, antes que ela justifique, ele já oferece o seu perdão apriori. Fazia de tudo para evitar qualquer briga. Sabia que a sua amada, quando se zanga, a sua maçã fica verde toda noite. Aliás, para ele a maçã da Joana tem amadurecido no final do mês.



A Joana desde que saiu na semana passada, carregou todos os desejos do Alfredo em seu corpo. Informou ao seu amado que passaria alguns dias em casa da sua mãe. Pois, faz muito tempo que não se avistavam. Afinal de contas, mãe é mãe. O António não podia ter pensamentos contrários a informação da sua amada esposa. E, lá se vai a Joana simplesmente com a roupa de corpo.
Para evitar quaisquer contradições, realmente passa pela casa da sua mãe. Após alguns minutos, segue para o seu destino. A sua segunda casa. Em casa do Miguel. Homem alto, forte e pedreiro de profissão.



No mesmo dia, naquela noite quando o Alfredo chega à sua casa. Vê que as panelas estavam cheias de nada. Não havia carvão no saco e a luz a sua amada não comprara, mesmo sabendo que ele disponibilizara todo o valor para as compras do mês.
Pegou no celular e ligou para a sua sogra. “Dona Maria, estou a tentar ligar para Joana e o telemóvel dela encontra-se desligado. Posso falar com ela?” “Meu filho, a joana ainda não chegou aí? Ela saiu há uma hora. Provavelmente esteja quase a chegar. Aguarde, meu filho.”
O António agradeceu sem questionar acerca da conversa das férias, que supostamente ela ia passar em casa da mãe.Naquela noite, ele não sentiu mais fome. Sentia os seus pensamentos nebulados e tempestuosos. Sentia o arder do seu coração, como se uma faca atravessasse o peito e o arrancasse a alma. Foi a noite mais longa que o António podia passar. Pegou no cigarro, saiu para fora. Olhou para os céus como se estivesse a pedir autorização aos deuses. Debalde, nada viu e nada ouviu. A decisão era dele. Matar-se com inflação pulmonar para minimizar a dor do coração ou aguardar pela sua amada na cama.



Às 2h da madrugada, não se ouvia sinal de alguém chegando em sua casa. O frio da madrugada fazia-lhe companhia. Dá meia volta e entrana casa. Por causa da pressa chuta na pedra. “Maldita pedra”. Brama irritado. Pensa em chutar de volta. “Aqui paga-se pela mesma moeda”. Recorda-se que o adversário é inanimado. Irrita-se e fecha a porta com força. Deixa cair a fechadura. Encosta a porta com um bidão de água. Deita-se na velha cama e murmura palavras despercebidas.
No dia seguinte, era Domingo, decide ir a igreja. Alfredo congrega nas bermas da praia da Costa do Sol. Encontrou consolo da sua alma, quando conheceu o profeta Timondzo. Num desses dias que andava sem beira nem eira. Desde então, passava a rezar aos deuses dos mares.
Quando se encontrou com o seu profeta, antes que dissesse alguma palavra, o profeta segreda ao jovem. “Precisas ser forte, meu filho. Existem coisas que se passam na sua vida e não são boas aos olhos de Deus. Eish… Vejo muita coisa, meu filho”. Alfredo pegou-lhe pela mão esperando a revelação”. “A sua mulher, filho, tem dois maridos”. Alfredo congelou ao ouvir isso. E por alguns instantes ficou sem acção. Pensara na mesma hora que fosse o terceiro marido. “Deves deixar essa mulher, filho, ela é uma raposa. Essa mulher anda a caça de boa vida. “Vamos apedrejar até morte pela traição dela”. Diz Alfredo com lágrimas em sua face. “Essa lei o Bom Pastor já aboliu, filho, não se pode apedrejar nem crucificar. E vejo mais meu filho, isso começou muito antes de a conheceres. O último marido dela, derreteu todo o pénis. Essa mulher não é normal. Tens que fugir dela. Humm. Griimmm, Uigrimm, HosiKulukumba”
Quando o profeta saiu do estado de transe, viu que o jovem sentia uma dor profunda na alma. “Assim o que faço, senhor?”. Como um bom mazione, o Timondzo olha para Alfredo e diz: “Para que saias dessa situação sem problemas com os familiares, dar-te-eialgumas ervas infalíveis. Só precisas rodear a tua casacom elas. Faça isso de madrugada e, após circular, não saia para fora antes de amanhecer. Aconteça o que acontecer. Quanto a pomada que te dou, deves aplicar duas vezes na barriga e nos rabos,desenhando uma cruz de cada lado. Se fizeres conforme te digo, antes que o sol se ponha no dia seguinte, ela e o marido virão visitar-te”.
Alfredo pegou nas ervas e na garrafinha com a dita pomada “comebackalone”, feita com uma planta da região das montanhas em Tete e misturado com lágrimas da cobra e salivas de um crocodilo vivo. Juntou tudo num sacoplástico preto e, ao chegar à casa, fez conforme as palavras do profeta.
Ao amanhecer, mesmo sem sono, ele ainda encontrava-se na cama, pois temia sair antes da hora prevista e quebrar os encantamentos. De repente escuta alguém a bater na porta. Deu um salto da sua velha cama e uma das pernas da cama quebrou-se. “Lixe-se”. Abriu a porta e fez uma grande cara de espanto. “Bom dia, vim buscar minhas roupas”, Disse a Joana. “Este é meu marido, ele veio ajudar-me.” Alfredo contemplou a cena e, deu um aceno com uma das mãos para que entrassem. “Você não vais dizer nada?”. Questionou a Joana. “Boa sorte!” Respondeu-a Alfredo. “Você só vais dizer isso?”. “Já arrumei suas roupas, estão na caixa atrás da porta.” “Você não és nada mesmo, por isso estou a te deixar.”



Depois de pegarem os pertences da Joana, ambos saíram, deixando Alfredo parado no mesmo lugar. Quando já estavam distantes, deu meia volta, pegou na bacia para banhar. Viu que o tempo já lhe fugira do relógio. Antes que caísse na pressa, recordou-se que ele é o seu próprio patrão. Sorriu num cantarejar fúnebre e entrou no banho.

Autor: Álvaro dos Reis
Revisão: Daúde Amade

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