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Alguns Poemas de Jose Craveirinha

 Nossa cidade

Nossa cidade
esquisita na bilharziose das compridas
noites amansadas como gatas de estimação ronronando
aos pés do dono e sobre as citadinas
coxas de pedra entreabertas no lençol como
uma mulher saciada a segunda vez.

e nas ilhargas
da cidade os maldito meninos
de rostos tatuados de ranho seco
todos como pássaros fisgados no cajueiro dos malefícios
todos com os olhos amarelos de gemadas longínquas de sol
                                                                                                      (africano
todos em carne viva sem sulfas de naco de pão
todos a castanha de caju mastigada nos molares antropófagos
                                                                                                      (da rua.

Nossa cidade
cemitério de mortos antes de o serem
e deserto povoado de um José - mulato jipe de caricias
nos joelhos nus das raparigas esfomeadas
também de angustias de cio
fêmeas e machos abotoados de ociosidade
devorando-se entre um boato e os relatos de futebol
ou enclausurando o universo no automóvel a prestações
os dentes em riste de quem  tange as violas
e ritmos a rebate nos pomos de alvenaria
mas quanto custa uma quinhenta de amendoís
do negrinho de faces tatuadas
de ranho seco?

 Craveirinha
Imagem: Craveirinha 1922-2003

Zita mulata com três recrutas

Mas ela ficou
a Zita mulata com três filhos
voluntários irrecuperáveis a vinho das cantinas
com industria de pernas "self-service" platônico as duzias
um por um as vezes seis maridos em hora e meia de nupcias
sorte de inguavana na percentagem dessa noite
enquanto um chofer negro dormita
inexorável ao taxímetro
la fora.


Quistos a Janela

Halitos de cimento
nos parietais da cidade agachada ao sul
com felpudos gatos de sol aguçando as garras
amarelas no enjoado ventre das ruas coaguladas
de sangue escuro.
E na tarde
as mãos-cheias de céu exausto de cais
o tédio traz o odor la dos caniços
agatanha as nucas das loiras e o vento
malandro como um dedo
insinua-se-lhes sub-reptício no meio das coxas.
e la os tectos de quatro chapas
em varíolas de zinco em segunda mão
capulanas desamarradas nos quadris intensos
de maquinas descalças contraindo os abdominais
no acto que faz dois pães e um
pequeno gajo para inchar as costas da mãe
enquanto nos três tijolos a chaleira
ferve.
E o machimbombo amarelo e vermelho
esgota-se de xipamanines de olhos ate ao estribo
(quistos cem por cento espremidos as janelas)
e qualquer dia desde as sintonias do útero
os meninos sentirão nojo de nascer.


Aeronaves de papel

A velocidade
estonteante do novelo das nossas
aeronaves indígenas de caniço e papel de embrulho
nós avariadores pé-descalço fingimos ao vivo os sintomas
do beribéri nas barrigas redondas como caixas de vinho
                                                                                               (do porto vazias
e românticos fragmentos de azeviche sub-reagimos
dissimulados na malaria das timbilas chopes
nossa musica mil amuletos a revelia
terríveis de cio na rua
inseminando as raparigas
a orgasmos de soslaio.

e voamos
ao branco shell de farinha nas veias
invisíveis maquinas changanas de rosas nos pulsos
as unhas deflagrando os lírios xipendanas de arame
azagais férteis de sois
ressoando no coração da terra.

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