Os teus retratos, L. M.
Com a avidez que em mim desperta
a sedução, olho-te e desejo-te
como se fosses sonhada, inacessível, Afrodite.
Mas finalmente gritando como o mar
estas em mim como vertigem
o fogo do tempo, a sua cólera
a sua fluidez, a sua matriz,
o outro eu da memoria que respira
no meu corpo, inquieto, exilado
mas não extinto, destino
de quem vive e morre
na transparência do poema,
cidade, na alucinada posse
que supera o irreal,
e é vida, nos murmúrios do silêncio,
o coito invisível e secreto
entre o meu olhar
e o teu.
Lourenço Marques, 1951
(da serie prevista para Msaho
5 ou 6 folhas de poesia) 1951/1954
Antropografia Delirante
ao Afonso Albuquerque, médico
Ao Carlos Adrião Rodrigues
Ao Santa-Rita
1.
Mas qual o poeta que não tem,
Incestuosa,
uma relação com a língua
qual a língua que não devora o poeta?
L.M., 1962
Sacanice Inventiva
(Ao Rui Nogar, ao Jose Craveirinha, ao Peres da Silva)
Ser caniço, ser ave,
ser sobremesa sorvete
coco e goiaba
presunto e chouriço,
ser palmas, ser 100 metros em nove
segundos,
ser guitarra e saxo,
nembo
no Cabo Submarino,
trompete no Ateneu,
mafurreira e mamba
no Ibo,
ser jamaicano e swahili,
de prenúncios
de bruxarias e dedos,
de swing e rumba,
ser tudo assim
etc. e tal,
na mais refinada sacanice
da esquina do Quental.
Galo da Mafalala
e Mahotas, porra,
sendo demasiado, não basta
para reinventar
a vida
arquétipos da tesão
do amor
e da poesia.
L.M, 1952
Memoria, Magia e Corpo
a palavra é a cidade
onde te revelas
e se revela a aventura,
mergulho no ilimitado
fundo dos jardins
Fique a inquieta certeza
do serafim da noite
labirintos onde ecoam
fontes a abismos
silêncios do eterno
vícios da beleza
campas e clarins.
L.M, 1946
in: Negra Azul (1944-1963)