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Morre Ngũgĩ wa Thiong'o, ícone da literatura africana e da luta pela descolonização cultural

 



Faleceu aos 87 anos Ngũgĩ wa Thiong’o, um dos maiores nomes da literatura africana contemporânea e uma das vozes mais respeitadas na crítica ao colonialismo e à dominação cultural no continente. A notícia de sua morte ecoa não apenas como a despedida de um autor notável, mas como a perda de um símbolo intelectual de resistência e esperança para a África e o mundo.

Nascido em 5 de Janeiro de 1938 no Quênia, em Kamiriithu, Ngũgĩ wa Thiong’o foi um romancista, ensaísta, dramaturgo e professor universitário que dedicou sua vida à defesa da identidade africana por meio da literatura e da linguagem. Ao longo de sua carreira, foi perseguido, preso e exilado por sua postura crítica em relação ao neocolonialismo e às injustiças sociais em seu país. Inicialmente escreveu em inglês, mas, a partir da década de 1980, passou a escrever exclusivamente em gikuyu, sua língua materna, como uma forma concreta de desafiar a hegemonia cultural imposta pelo colonialismo europeu.

Sua obra mais influente, "A Descolonização da Mente", publicada em 1986, tornou-se um manifesto poderoso pela valorização das línguas africanas e um marco teórico fundamental nos estudos pós-coloniais. Neste livro, Ngũgĩ denuncia a forma como a colonização não apenas saqueou recursos e territórios, mas também colonizou o pensamento dos povos africanos ao impor línguas, valores e epistemologias europeias. Para ele, escrever na língua nativa era um acto de libertação e afirmação identitária.

Autor de romances como "Um Grão de Trigo", "O Rio Entre", e "Petals of Blood", Ngũgĩ explorou em sua ficção temas como o nacionalismo, a luta de classes, a memória histórica e o impacto psicológico do colonialismo. Sua escrita densa e politicamente engajada serviu como farol para outras gerações de escritores africanos e da diáspora que lutam por justiça, soberania cultural e autodeterminação.

Além de sua contribuição como autor, Ngũgĩ foi professor em prestigiadas universidades como Yale, New York University e University of California, Irvine, onde formou uma nova geração de pensadores críticos e disseminou sua visão sobre literatura como ferramenta de transformação social.

A morte de Ngũgĩ wa Thiong’o representa o fim de uma era, mas seu legado permanece vivo nas páginas de seus livros, nos debates que provocou e na coragem com que desafiou o status quo. Mais do que um escritor, ele foi um revolucionário das palavras, cuja missão foi libertar consciências e reivindicar, para os povos africanos, o direito inalienável de contar suas próprias histórias com suas próprias vozes.

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