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PRESENÇA DA AUSÊNCIA - ENTREVISTA A CRAVEIRINHA TREZE ANOS DEPOIS DA SUA MORTE* (2016)


por Nelson Lineu





Nelson Lineu (N.L.) – Ainda és movido pelos mesmos pensamentos que te fizeram um cidadão de uma nação que ainda não existe?

José Craveirinha (J.C.) – Ainda não mudei. Continuo obsessivo a fazer, de preferência, o que mais gosto.


N.L. - Há homens que deviam viver mais, por precisarem de mais tempo para concretizarem suas utopias. Concordas?

J.C. - Se me visses morrer os milhões de vezes que nasci.


N. L. - Almejaste uma nação que se pode entender ser uma construção permanente. Sentes que tinhas muito ainda a dar para concretização desse sonho? 

J.C - Tenho apenas amor para dar às mãos cheias. Amor do que sou e nada mais.


N.L - Estás satisfeito com as homenagens feitas a ti e a tua obra?

J.C. - Dão-me a única permitida grandeza dos seus heróis, a glória dos seus monumentos de pedra.


N.L. – Sentes que em vida recebeste como deste?

J. C. - A ambição minha e da Maria foi termos uma casa onde nos cortarmos os cabelos brancos.


N.L – Por falar em Maria, qual a explicação desse amor sempre presente na tua obra?

J.C. – O tempo de amar não se extingue e não espera o longo sono excessivo, do mais verdadeiro amor também compensa alucinante visão de um novo horizonte.


N.L. Além do amor à Maria e o sonho da liberdade o que te mantinha firme quando estavas na prisão?

J.C – O infantil beijo dos filhos.


N.L. - A tua obra é atemporal, quando escrevias os textos tinhas em conta esse pormenor?

J.C. - O que há de eterno não sou eu que tenho de o consumar.


N. L - Num dos teus textos, defendes que a verdadeira dificuldade da poesia não são as ideias mas sim as palavras, o que tens a dizer aos jovens poetas?

J.C. - As palavras mesmo estranhas, se tem musicalidade verdadeira só precisam de quem as toque ao mesmo ritimo para serem todas irmãs.


N.L – Tem-se dito que há um silêncio dos artistas, em particular dos escritores, perante a actual tensão no país, qual é a tua opinião?

J.C - À propaganda deste abecedário inoxidáveis ao medo, levantemo-nos ao acetileno das palavras insurectos em massa.


N.L. – O que tens a dizer sobre os recursos minerias no país, para que não nos levem longe do teu ideal de nação?

J. C. – Tema para um possível poema.


N.L. – Quanto às saborosas tanjarinas de Inhambane?

J.C. – Pavlov põe-me a mastigar saborosos menus de nada.


N.L. – Para terminar, passam-se mais de dez anos depois da tua morte, uma palavra para o Moçambique que tanto escreveste?

J.C - Dez anos de alma nos olhos cheios da tua figura da dimensão desmedida do meu amor por ti.


* Suas respostas são frases extraídas dos seus poemas.

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