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PRESENÇA DA AUSÊNCIA - Entrevista a Noémia de Sousa (15 anos depois da sua morte, as respostas foram extraídas do seu livro)

Por: Nelson Lineu



Nelson Lineu - Depois de um tempo, a Presença da Ausência, volta com uma voz feminina. 

Noémia de Sousa – Por que vieste hoje que não te posso receber?

N.L. Porquê não me podes receber?

N.S. – Hoje, eu só saberia cantar a minha própria dor!

N.L. A tua é a nossa dor! Noémia, a esperança está sempre presente na tua poesia, até que o teu livro publicado postumamente poder-se-ia chamar “Grito de Esperança”. É o teu modo de estar na poesia?

N. S. – Do fundo da água, as estrelas sempre sorrirão.

N.L. – Queres dizer?

N.S. – Este é o caminho que eu quero, humano verso. Esta é a música que eu amo, germinando em revolta e nostalgia.

N.L. – Este caminho e esta música estão dentro de ti ou fora?

N.S. – Na capulana quente da minha compreensão.

N.L.- O que a morte te trouxe?

N.S. – Trouxe-me consigo todo um mundo esquecido e recordações familiares.

N.L. – Qual foi a mudança radical na morte? 

N.S. – Nunca mais dormi.

N.L. – O que te impressionou deste lado?

N.S. – As luzes fictícias deixam de existir.

N.L. – O que a Munhuana ainda representa para ti? 

N.S. – Há nela uma nostalgia da liberdade perdida e saudade de tudo que foi teu e já não é. 

N.L. – De Munhuana vinha o teu olhar do mundo?

N.S. – Um olhar que não posso recordar sem sentir. 

N.L. – Por falar em sentimentos, o que sentiste depois de escrever o poema de João?

N.S. – Soou como um grito de libertação.

N.L. – A tua poesia é construída por uma força, qual é?

N.S. – A força terrível e única do nosso abraço fraterno.

N.L. – Sentes-te ligada a Moçambique deste lado? 

N. S. – Portanto, que importa que estejas cá ou lá se a luta é a mesma em toda a parte?

N.L. – O que achas que o país não quer mais?

N.S. – A mentira nua das falsas missangas de cor imitando astros com que me querem burlar, os tiranos de olhos vesgos e enormes mãos antropófagas gotejando sangue…

N. L. Numa entrevista a poeta Sophia de Mello Breyner fez bons comentários sobre a tua poesia e como o sonho de um país reflecte-se nela, o que a disseste quando se encontraram?

N. S. – Uma luz clara e doce se abrirá para todos e nós iremos de mãos dadas, amiga pelos trilhos verdes de Moçambique.

N. L. – Nota-se nas tuas palavras que continuas a sonhar com o país, como é sonhar desse lado?

N. S. – Sentimo-nos novamente humanos.

N.L. – O que te liga a Craveirinha?

N.S. – Sua lealdade sem código, sempre permanente. 

N.L. - O filósofo Severinho Ngoenha, defende que os moçambicanos viveram mais tempo em guerra que em Paz, há um sinal da paz que não estamos a conseguir decifrar?

N.S. – Quando a paz descer sobre o campo de luta, poderei em fim, dar-me completamente. Minha alma, finalmente, poderá encher-se como um búzio, da música do luar e do murmúrio do mar.

N.L. – Para terminar Noémia, Qual é teu sonho? 

N.S. - A minha terra moçambicana erguida com uma nova consciência, digna e amadurecida.

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