PRESENÇA DA AUSÊNCIA - Entrevista a Areosa Pena (as respostas são frases extraídas das suas crónicas)
Por: Nelson Lineu
Nelson Lineu – És o primeiro convidado não poeta na presença da ausência...
Areosa Pena - chegou, portanto, o momento!
N.L. – Na morte o que te preocupou foi o facto de não poderes escrever ou não teres o que escrever?
A. P. – Durante uma hora, andei perdido em cruzamento de linhas
N. L – Houve algo que escreveste e foi fundamental para te adaptares à morte?
A.P – “Vá e comece a viver de novo. Verá que esta vida é melhor que a outra que viveu”.
N. L – Fizeste da tua escrita a tua causa, é caso para dizer no princípio foi a causa?
N. L. – Quem não é capaz de se interessar, de se dedicar, de se apaixonar, totalmente, por qualquer causa - boa ou má, não importa- está moribundo.
N. L. – É verdade que tens uma paixão pelo luar?
A. P. – A quem dói a falta de energia, não é belo o luar.
N.L . - Bertrand Russel defende que para ver melhor uma coisa é preciso uma certa distância, sendo a morte uma distância, o que viste melhor aí do outro lado da vida?
A. P – Pensava que a superstição só cegava e paralisava o raciocínio de pessoas a quem desgraçadamente não foram dadas possibilidades de se instruir.
N. L. O que mudou na trilha sonora do país?
A. P. A desafinação é outra.
N.L – Como a defines?
A. P – Feira de desonestidade.
N.L – O homem foi muitas vezes o centro das tuas reflexões, depois de todos esses anos o que dizes?
A. P – O Homem está em vias de se suicidar, mas enquanto não acaba vai exterminando espécies animais que com ele partilha a biosfera, altera o clima tornando-o mais quente, menos chuvoso ao encher a atmosfera de anidrido carbónico, excelente isolador térmico, e deitando a baixo florestas inteiras que fazem precipitar chuvas.
N.L – Estás a dizer que a história repete-se?
A.P. - O Homem torna a reinventar tudo o que levou os seus antepassados a perdição, a quase instiguirem-se e a rebentarem esta velha bola onde nasceram.
N.L – A denuncia sempre esteve presente na tua escrita, há uma razão?
A.P – Ter esperança no futuro e tomar parte activa na sua construção.
N.L. – A verdade moveu o teu jornalismo, qual foi a verdade com a qual te apaixonas-te em vida?
A.P. – Ninguém quer morrer numa bela manhã de sol!
N.L. – Sol de carvalho no prefácio do livro O cronista, em relação a ti escreveu: “ punha no que escrevia um cuidado semelhante ao de um pai a tratar de uma criança”. Eras perfecionista?
A.P – Sempre os mesmos gestos situados, iguais. Nem uma alteração, nem uma possibilidade de criar, de sair da rotina.
N. L. O que era comum nas pessoas ao comentarem as tuas crónicas?
A.p – Comentarem, com um certo ar de «admiração incrédula»
N.L – Estamos no final da nossa entrevista. Só mais uma questão. Algumas vezes escreveste sobre o natal, o que significa natal para ti?
A.P – significa denunciar as manhas da opulência, das mesas transbordantes de iguarias, a futilidade dos embrulhinhos em papel fantasia e lembrar aquele bilião e meio dos meus semelhantes, que, neste preciso momento, sofrem de fome, estejam eles a leste dos Andes, nas ruas de Calcutá ou a sul de Tchad.
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