Avançar para o conteúdo principal

QUANDO O CÃO MORDER A NOITE

QUANDO O CÃO MORDER A NOITE 


Vamos vestir o amor assim que o cão morder a noite 
embebedar as nossas almas na lucidez dos beijos
afogar os nossos corpos no leito do nosso amor
e procurar por de baixo da língua, 
as ferramentas para desmontar a noite

Vamos vestir o amor assim que o pôr-do-sol 
perder sua timidez
beber o sol escuro, com as suas alegorias
até a noite, não ser apenas noite

sentindo o tiritar de estrelinhas em nosso ser
costurar os beijos no silêncio do vazio

Vamos juntos ouvir a voz das estrelas 
e da lua, 
declarando-se para o céu 
nesta noite linda como o teu olhar

Vamos vestir a noite no suor da madrugada
no sabor da mastigada de um pau 
e de uma feijoada
vamos vestir a pele na cor da mesma linguagem
juntos na mesma linhagem
que ressoava melaço na diáfana escuridão

Vamos sorver a saudade que repousa 
na almofada do tempo
numa tremenda solidão do vento
amando-nos de baixo dos olhos da deusa Vénus
oh deuses, vê-nos
nesse acto pecaminoso

Vamos descalçar o amor:
o amor não é coisa que se vista 
porquê mendigar beijos 
enquanto 
podemos lamber os nossos próprios lábios?

E quando o cão da paixão ladrar 
recusaremos ser apenas ossos mecânicos 
que se deixam roer pelo amor inóspito 

Vem amor
afogar os nossos corpos no leito do nosso amor
embebedar as nossas almas na lucidez dos beijos
deixe os seios do tempo alimentarem o sol nu 
no colo da manhã antes de haver madrugada 

rasgar a pele, essa caligrafia da solidão dos que morreram
e gota a gota, teça cada lábio dos teus delírios

Deixe-me tecer o céu na tua boca 
plantando amor no teu ventre de palavras 
para que seja a noite a desmascarar os nossos lábios 
e jogar o abismo inédito 
no sarcófago das palavras mais caras do universo 

Vem amor
para me cobrir com o teu olhar húmido e laminoso, 
com o delírio dos meus sonhos, numa saga alucinante 
[caminhada] 
vedada de florestas de palavras ásperas 

Vem amor, 
vamos vestir essa sede incessante no limbo do desejo
 
Mas não te enganes, mulher. 
O cão são bocas, donas do silêncio, do câncer, do lábio, e da morte.

E agora, que cor teria a morte longe da noite 
dos cães, [de ti] dos dentes e desta enorme ferida do tempo

em que tudo é um autêntico delírio?
....
Autores:
1. Adriano Hilário
2. Arnaldo Fernado Chipanga
3. Bachir Herinques Manhisse
4. Baptista Américo
5. Berruberru
6. David Augusto Bene
7. Domingos Ernesto Fombe
8. Dynamico el Captine
9. Hermenegildo Mondlane
10. Jerry
11. Júlio Vasco
12. Leonel Evaristo Chongola
13. Luís Nhazilo
14. Otildo Justino Guido
15. Sheila Paula Marrengula
16. Umaira Carlos Nhanombe
....
Orador: Japone Arijuane
Moderadora: Sheila Marrengula
....
Oficina/Projecto Tindzila: 27/06/2020

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Basta, Agualusa! - Ungulani Ba Ka Khosa

À  primeira perdoa-se, à  segunda tolera-se com alguma reticência , mas à  terceira, diz-se basta! E é  isso que digo ao Agualusa, escritor angolano que conheço  há mais de trinta anos. Sei, e já  tive oportunidade de o cumprimentar por lá, onde vive há anos num recanto bem idílico da Ilha de Moçambique; sei que tem escrito tranquilamente nessa nossa universalmente conhecida ilha; sei, e por lá passei (e fiquei desolado), que a trezentos metros da casa de pedra que hospeda Agualusa estendem-se os pobres e suburbanos bairros de macuti (cobertura das casas à base das folhas de palmeiras), com  crianças desnutridas, evidenciando carências  de gerações de desvalidos que nada beneficiaram com a independência de há 49 anos. Sei que essas pessoas carentes de tudo conhecem, nomeando, as poucas e influentes famílias moçambicanas que detém o lucrativo negócio das casas de pedra, mas deixam, na placitude dos dias, que os poderosos se banhem nas águas  do Índico, deleitando-se com “selfies” e enca

“Amor como caminho de crescimento” em “Amei para me amar”, de Nyeleti - PPL

  Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.   É um não querer mais que bem-querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.   É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. — Soneto de Luís Vaz de Camões (p.31)   Livro “Amei para me amar”, da escritora Nyeleti, é uma obra que transcende os limites da literatura, emergindo como um importante documento que mescla a literatura, a sociologia e a psicologia. Será um livro de auto-ajuda? Um depoimento? Não cabe a mim dizer, mas a sua estrutura em muito  me lembrou os Doze Passos para o tratamento do alcoolismo, criado por Bill Wilson pelo Dr. Bob S. Dividido em 13 capítulos temáticos, como “Todos somos falhos”, “Quando e como amamos demais”  e “Por que dou mais do que recebo?, o livro se revela uma janel

Uma vista às eleições gerais de 2024 - Ungulani Ba Ka Khosa

Para quem, como eu, tem acompanhado, ao longo de mais de quarenta anos, como professor e, acima de tudo, escritor, o percurso da Frelimo, em tanto que Frente de libertação de Moçambique e, subsequentemente, como Partido de orientação marxista,  desembocando em Partido sem estratégia ideológica, estas eleições não me  surpreenderam de todo. Ao acompanhar a leitura dos resultados feita pelo Presidente da Comissão Nacional de Eleições, veio-me à mente a durabilidade no poder de um outro partido do sul global, o PRI (partido revolucionário institucional), do México,  que esteve no poder entre 1929 e 2000. 71 anos no poder. Longo e asfixiante tempo! As críticas  que se faziam, nas sucessivas eleições, centravam-se na fraude eleitoral, na sucessiva repressão contra os eleitores, na sistemática violação dos princípios democráticos, na falta de lisura no trato da coisa pública. Tal e qual a nossa situação. A propósito, o grande Poeta e intelectual mexicano Octávio Paz, dizia, com a linguagem q