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5 poemas do livro "O POUSO DO CASCO" de Lino Mukurruza

 

Com o objectivo de promover a leitura e incentivar a busca por obras de autores moçambicanos, criamos este espaço especial, no blog, denominado “EU LEIO A MALTA” e que serve como um espaço de encontros onde se almeja compartilhar reflexões sobre algumas as leituras feitas ou excertos de alguns livros, e para o dia de hoje, partilhamos o “O POUSO DO CASCO” de Lino Mukurruza, edição portuguesa, Húmus e colecção 12catorzebold.

 


Lino Mukurruza apresenta em “O Pouso do Casco” uma poética profundamente visceral, repleta de imagens densas e complexas. Seus versos manobram as palavras com uma liberdade que desafia convencções, criando uma "linguagem ludibriada" que é, ao mesmo tempo, provocativa e inovadora. A poesia reflecte sobre a condição humana com intensidade, muitas vezes tangendo temas como dor, memória, e a busca de sentido em meio ao caos existencial.

O primeiro poema, dos 05 aqui selecionados, mergulha na recriação de um corpo opaco em contraste com a luz do dia, marcando uma conexão entre materialidade e transcendência. No segundo, há um erotismo melancólico, onde o corpo se mistura à natureza e às emoções em uma fusão que tanto encanta quanto inquieta. A dubiedade rítmica mencionada por Crimildo Bahule é evidente, mas ela não obscurece o lirismo intrínseco de Mukurruza, que celebra a vida mesmo em cenários de privação.

Em outros momentos, como no poema sobre "reptes", o autor adopta uma linguagem quase surrealista para abordar a dor e a resistência. Aqui, as metáforas de serpentes e fogo reforçam o drama existencial e a força simbólica da transformação. Já no poema sobre "óculos", o foco se desloca para a percepção e a introspecção, desafiando o leitor a enxergar a fragilidade humana em meio às exigências de um mundo opressor e tecnológico.

Finalmente, no quinto poema, Mukurruza aborda um tema mais político, evocando imagens de guerra, destruição, e um Estado alienante. É uma crítica feroz à violência e ao abandono que atravessam o nosso quotidiano, mas que ainda permite vislumbres de esperança.

Assim, O Pouso do Casco é uma obra que desafia os limites da linguagem e da interpretação. Segundo Bahule, Mukurruza não só canta a vida, mas também a dor e a resistência que a acompanham, numa dança complexa entre o ser e o existir.

É um convite para ler além das palavras e sentir o que há de mais profundo na poesia: a experiência humana em sua plenitude, fragmentada, mas resiliente.

 

 

 

1

há no borrão da alvorada

uma ventã de borriço que reabre

corpo opaco e mão maleável

com a qual iço sol sobejo do dia

 

 

2

respiro esta merda chamado corpo

com volúpia a fogo e

rumores de comboio

respiro assim muito fresco

ar grudado no voo do teu corpo

queimado com cinzas de um beijo mordido

e boca de sempre

no tempo e no bafo do vento que a mao insiste

arde

melodia cortada com a palma que passa no dorso de sempre

e apalpa a polpa

em todo beijo escuro, no escuro

 

 

 

3

reptes:

gala-gala e salamandras

serpentes poderosas que humanos

correm com arcos quadrados nas mãos

tiram línguas suadas de salivas e flechas flamejam

o lume da existência

lamina dor suturada sobre a mão isolada

onde um raio electromagnético emenda intima ligação

                                                                                em voz ave

 

e mar fictício

temos essa existência antílope que sutura a magoa de

                                                                     uma ferida ardente

como uma lagrima de sal no novíssimo rosto machucado

enxugo a musgo o corpo do mar

ó meu mar nocturno de pó do silêncio magoado

outro machucado abre sem piedade

onde uma lanterna a vaga-lume ilumina grosseiramente

                      a dor e a asa que flameja

no bosque do ar com a palma infinita da mão em neve de gelo

ou nuvem de sabão fermentado com a pressão da mão

                                                                     em sua inquietude

tenho em manga algumas cores mesmo que tímidas

desenvolve-se o medo de uma palavra menos quieta

uma pedra cresce

não decresce sua evolução nublada exercitada por

                                                             cacimba e morfo

até um dia inventarmos

rinocerotes geneticamente eletrónicos

somos o nosso próprio pouso e o mesmo casco de

                                                                       reptes humanos

modificadamente estáveis

 

 

4

uns óculos que legam-nos a existência

somos no signo da vista o tédio dos outros

filtramos um raio horizontal em circulo circuito da visão

mesmo que periférica

uma infância moldada

senão a sombra do nosso oculto

o raio do zénite que sobre o longe da fuga

caminha a vertical existência

contudo trememos com a imagem

o fofo nas mãos

um atropelo de ícones que a flash e a luz emenda a imane

unção unicamente acesa com o coração da pupila no

                                                                raio solar

que incide a onda tétrica da cristal fotografia retida nas

                                                                  vísceras dos teus olhos

cristalinos

uma agua delata transborda pela mensagem onde

                                                        vagarosamente afunda

o profundo sobre o areal do rosto pálido de solidão e

                                          silencio do tempo esgotado

insistente

somos também o filo átomo que reside no animal

                         pluma do raio aceso da melodia viva

persistente

onde podemos pousar com o casco dos teus timbres

                           golpeados pela faca na carne viva

e ardente

outra brasa imatura é do longe o distante modesto

corremos com a solidão atadas nas palmas do futuro

nos ventos oculares com a existência atemporal

no fundo que perfura o fluxo do sangue bombeado

                                                          sobre veia

um instante lega índice do lume e língua linguagem de

                                                          fogo

ardida na brasa do humanismo mais animado de uma

                                                           ave humana

que redobra esse arco horizontal

corremos com arcos triangulares e flechas com mãos

                                                                   sangrentas

de calor soado sob a pressão do lume que engole o

                                     silencio e a luz do breve sombrio

onde cada nome que somos são a somo de um cálice do

                                           casco ocular que inventam

portas e janelas dissolvidas e menos seguras dentro

                                                                desse verão.

 

 

 

 

5

No abdómen do tempo

Sol queima corpos putrefactas nos matos de guerra

Campos de refugiados cidades saqueadas

País furtado no raio altíloquo só sol

Olhos recusam rigores nítidos

Hipnose sobre uma tolice política grotesca

Conceito de estado outra terra estéril

Biltre vitupério conceito governo outro rosto singular  

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