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TARDE DE CHUVA

 

De:  Luiz Eudesé de Sátiro Dias, Bahia.

Todas as tardes o menino visitava o avô, ao final de mais uma jornada de trabalho, procurando aconchego em seu colo e ficavam ali brincando os dois, avô e neto, horas a fio. Depois o avô cantava com voz suave em meio tom e aquela harmonia o fazia adormecer pendurado no pescoço dele, segurando a sua orelha e mordendo levemente o polegar. E o avô o levava para a cama, para os sonhos de criança.

Parecia mais um final de tarde como outro qualquer. Crianças andavam na praça, árvores balançavam folhas secas, uma dona de casa levava compras para o preparo do jantar, homens conversavam alegremente.

A umidade do ar anunciava chuvas de verão. Algumas pessoas acreditavam que até o final da semana choveria.

De repente nuvens negras encobriram a cidade. Relâmpagos iluminaram os céus, ventos sopraram fortes e trovões ecoaram ao longe. Uma chuva torrencial caiu sobre o solo.

 Senhoras procuravam abrigo, crianças corriam em divertida brincadeira, cães uivavam. Foram pouco mais de duas horas de chuvas fortes.

Naquela tarde o menino não conseguiu adormecer, encantado com a trovoada, novidade para ele e todos os da sua idade. Ao cessar, avô e neto foram ver as aguadas. Havia comentários que a ponte sobre o córrego na entrada da cidade havia desabado. Foram para lá, tudo era novidade para o menino. Árvores caídas, casas velhas mostravam as rachaduras como estrias abertas, meninos brincavam de catar tanajuras, galinhas ciscavam nos terreiros.

Muitos iam em direção à ponte que não resistiu ao peso da enxurrada tendo a sua velha estrutura de concreto armado desmoronado. As águas do riacho haviam se unido às do Tanque Velho e formavam um imenso lago de cor barrenta. Uma beleza de se ver para os moradores.

Um velho pescador mergulhava, encantando o menino.

E o vento levou para bem longe as nuvens, a chuva cessou, um forte cheiro de terra molhada ia possuindo toda a cidade e o sol voltou a reinar sob um céu agora límpido, dando um brilho todo especial àquele final de tarde.


mini Biografia


Luiz Eudesé de Sátiro Dias, Bahia.

Escritor e ativista cultural.

Especialista em Teoria da Literatura.

Organizou várias coletâneas e participa de diversas antologias no Brasil e em Portugal. É autor dos livros de contos Noite de Festa, Tempo de Sonhose Tarde de Chuva, da novela Cangalha do Vento (publicada também em Portugal e em Angola e traduzida para o italiano) e do infantil Baleia e a família perdida, publicado pela série Bichinhos Literários, em São Paulo.

Membro da Casa do Poeta de Alagoinhas e da Academia de Letras do Vale do Itapicuru.Sócio da União Brasileira de Escritores (São Paulo) e da União Baiana de Escritores (Salvador).

Pertence ao Círculo Acadêmico de Letras e Artes de Moçambique, é Embaixador Humanitário (São Paulo) e recebeu o prêmio Nevado de Oro (Mendonza - Argentina). 

É curador do Sarau da Cidade, criador do Coletivo Literatura com Cachaça, assina coluna no site Papel de Vidro, participa do Sarau dos Ventos eapresenta o programa Café com Prosa.

Recebeu, entre outros, os prêmios: Prêmio Ibero-americano pela Cultura e a paz (SP), Excelência Artística (Revelando Brasis), Concurso Nacional Viagem pela Escrita (RJ), Amigo do ConselhoEstadual da Criança e do Adolescente (Estado da Bahia),escritor homenageado Prêmio Destaque (Revista Vitrine) e o título de Personalidade de Importância Cultural pela União Baiana de Escritores.


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