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A VOZ COMO ALMA DO POEMA- Mariza Sorriso


O presente texto pretende traduzir pequenas notas deixadas pela cantora e poeta  brasileira, Mariza Sorriso na Oficina Literária intitulada a voz como alma do poema no grupo de WhatsApp do Projecto Tindzila. 


Biografia de Mariza Sorriso
 
Mariza Sorriso é cantora, poeta, escritora, compositora, actriz e dinamizadora cultural, brasileira de Petrópolis/Rio de Janeiro.

Começou a dizer poemas aos 4 anos, a actuar aos 7 e a cantar em público aos 8 anos. 
Economista pela Universidade Católica de Petrópolis-RJ, Musicista pela OMB-Brasil, Actriz pela Escola Le Mond de Atores, Locutora pelo SENAC-RJ.
 
Publicou um CD de música, três livros de poesia solos - um bilingue. Publica pontualmente em jornais e revistas de literatura. Participa como co-autora em mais de uma centena de antologias poéticas. Organizou seis antologias internacionais e está a organizar a antologia comemorativa do VII EPLP.

É prefaciadora e influenciadora literária.

Mentora e Organizadora Geral do Encontro de Poetas da Língua Portuguesa, Membro honorário da AVL-RO, da ABLAP e APALA e Co-fundadora e actual Vice-Presidente da AVPLP-Academia Virtual dos Poetas de Língua Portuguesa.


*****
A conversa começou com uma citação empolgante feita pela Mariza Sorriso:
"Há uma outra leitura dentro de cada poema, não se contente nunca com um sentido apenas".
Do poema Graal do mestre Eduardo Tornaghi.

Depois deixou ficar o poema: 

GRAAL

Há uma outra leitura
dentro de cada poema. 
Não se contente nunca
com um sentido apenas

Há na superfície mesmo 
escondida nas obviedades, 
nas tônicas, nos termos 
nas vírgulas, nas sintaxes

Uma pulsação que exala 
o mistério das sensações 
uma alguma outra fala 
que salta de formas de sons

Sentido muitos se tramam 
em teias, redes, impulso 
onde o que nos humana 
goza ao tocar o oculto

(in Matéria de Rascunho, Eduardo Tornaghi)

Mariza Sorriso desfibrou o tema da oficina, explicando cada sinónimo da palavra que o compõe, afirmando que voz […] é alma ou a expressão dum povo, […] é a sua cultura; é o direito de manifestar. Na música, seria cada uma das partes duma composição. A alma […] seria o conjunto de actividades inerentes a vida […] é a parte imaterial do corpo adoptado da existência individual. O poema […] é também canção. Poema é arte materializada em palavras. Quintana vai dizer que todo leitor de poemas também é poeta. Poesia […] arte abstracta. Toda obra artística nasce dum sentimento.


Depois disso, apresentou O POEMA, sob a perspectiva de Erza Pound:

Melopeia, Fanopeia e Logopeia
Os três modos retóricos elaborados por Erza Pound um dos maiores críticos e estudiosos da literatura de todos os tempos foram definidos para “carregar de energia” a linguagem poética. A teoria de Pound visa criar uma classificação para todos os registos possíveis da linguagem poética dominada por todas as formas de inspiração.

Segundo Ezra Pound, um poema pode invocar seu poder poético através de três elementos: som, imagens e pensamento.

No que isso pode nos ajudar a escrever e identificar poemas?

Muito do que escrevemos nasce de maneira intuitiva ou natural. Sentimos e escrevemos. Se quisermos nos diferenciar, encontrar nossa voz e nosso estilo na poesia, precisamos estudá-la, para poder usar conscientemente todas as ferramentas. É importante visitar os críticos, revisitar os poetas e nos permitir evoluir.

Fanopeia seria projectar o objecto, fixo ou em movimento, na imaginação visual do leitor (imagens) traduz o poder visual da imagem nas palavras de Pound
 
“(...) 
Até que um dia um bonito passarinho
Trouxe a mensagem do amor que lhe chegava
E o seu canto teve que ser alto
Ou do contrário o coração não escutava
 
Bateu asas, fez festinha
Pulou e dançou na sua frente
Até que aquele coração doente
Pudesse, aos poucos, se abrir devagarinho” (...)

(Mariza Sorriso)

Melopeia seria produzir correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo da fala. A melopeia é, na sua origem grega melopoiía («composição de cantos líricos»), a arte de musicar a poesia, e passou a significar qualquer melodia (recitada ou cantada) em ritmo calmo e monótono; remete-nos para o mundo criativo dos sons no texto poético.

Logopeia seria produzir ambos os efeitos estimulando as associações, intelectuais ou emocionais, que permaneceram na imaginação do receptor em relação às palavras empregadas. A logopeia deriva do grego logopoeía, “criação de palavras”, e traduz a capacidade de combinação da forma e do conteúdo das palavras com o objetivo de obter a obra sublimada pela beleza estética. 

Outro exemplo de Logopeia está na frase de Clarice Lispector:

“já que sou, o jeito é ser” (Reflexivo)

Ou da mesma autora: 

“e se me achar esquisita
respeite também, 
até eu fui obrigada a me 
respeitar”


E letra de música, pode ser considerada poema?

Mariza afirmou que letra de música pode ser considerada poema, desde que o compositor da letra da música seja poeta, e também que se perceba alguns elementos como simbologias, imagens, ritmo na escrita e não apenas na melodia. 

[…] o intérprete quando entra em contacto com o sentimento da letra de música ele acrescenta o seu sentimento nela. 

O que se faz necessário para ser um intérprete?
R: Quase o mesmo que para ser um compositor.
- ter coragem – escrever, dizer poemas ou cantar, requer coragem de se colocar ao alcance do outro.
- muita observação e sensibilidade e uma boa dose de empatia;
- ler muitas vezes o texto a ser interpretado. Quanto mais entendemos e sentimos, mais teremos intimidade com o criador da obra. Quanto mais intimidade, mais iremos entrar em conexão com aquilo que ele quis dizer, porque vamos sentir, vamos perceber o sentimento gerador daquela obra, seja poema ou música. A partir do momento que sentimos com o autor, conseguiremos imprimir o “nosso molho” ao interpretar aquele poema ou música.

- mesmo os poemas lidos em silêncio, (voz interior) os perceberemos de acordo com a nossa bagagem de vida naquele tempo e espaço, uma vez que essa percepção também mudará ao longo da vida e certamente releremos textos nossos ou de outros autores que soarão como lidos pela primeira vez.  

Tenho o hábito de adquirir livros usados e é muito interessante observar a percepção dos outros leitores através dos grifos no livro. Algumas percepções coincidem com a nossa, outras passariam despercebidas pela gente.

E isso não acontece somente com poemas, se não com qualquer obra. Quando admiramos uma pintura, uma escultura, cada um de nós irá perceber de uma forma diferente. De acordo com a vivência, experiências e conhecimento de vida e também conhecimento da obra, que cada um traz.

Outra coisa é ter um poema da gente lido por outro intérprete, que é muito interessante. Quem de nós já se perguntou? “Então, fui eu que escrevi esse poema?”  Porque ali a pessoa imprime um sentimento que você não havia percebido e que está no seu texto, e tocou naquela pessoa. Você escreveu por outro motivo, mas ao ler conseguiu atingir um outro sentimento, um outro lugar. E isso pode acontecer inclusive com a releitura de uma composição nossa. 

Um poema escrito na infância ou no ano passado, pode ter hoje para o autor um outro olhar, pois o que fomos ontem, já não somos hoje.

E é aí que reside a beleza da interpretação. Essa multiplicidade de olhares, sensações e sentires.


Devemos lembrar:
- ‘A função do texto escrito ou falado, e no nosso caso, a função do poema é ser uma ponte entre as pessoas, são os elos entre as solidões, a cumplicidade, a aproximação, a maneira que temos de trocar testemunhos’. (texto adaptado sobre fala de Pedro Bial)
-Geralmente, (esse não foi o meu caso, pois na minha casa não havia livros) antes de começar a escrever a gente costuma ser leitor. São os livros que nos abrem portas e janelas para o mundo físico e o da imaginação. São os livros que nos fazem viajar e crescer.
-Poema é uma obra plástica, o poeta ou o intérprete modela o poema como o oleiro molda o barro.
- Nem sempre o autor é o melhor intérprete da obra.
- Cada intérprete é co-autor do poema quando o lê. Na sua interpretação ele imprime a sua marca. Eu posso interpretar um poema de um autor já muito lido, de uma forma nunca antes interpretada, inédita.

-Quando um poema é publicado ele deixa de ser só do autor. Escrever é um acto solitário, mas depois de publicado o texto passa a ser de todo mundo, apesar da autoria. Nesse sentido devemos reforçar a nossa responsabilidade quando lemos um texto. Uma vírgula, uma palavra trocada ou mesmo uma respiração fora do lugar pode mudar, drasticamente, a alma daquilo que foi escrito.
- Existe uma diferença entre o intérprete de uma obra poética e o actor de uma obra poética. O primeiro acresce sua experiência emocional à obra. O actor, se veste do personagem (empresta seu corpo) sendo fiel apenas ao sentir do autor (se isso for possível). Por exemplo, se uma pessoa é muito íntegra e precisa representar uma vilã e ela não conseguir separar o personagem do seu próprio sentir, não conseguirá actuar.


Mariza Sorriso falou: […] a partir daqui vamos sugerir alguns exercícios, ou como diz o mestre Eduardo Tornaghi, algumas “brincadeiras” que poderiam auxiliar a interpretação: 

- ler letras de músicas sem a melodia (procurando fugir da melodia) buscar, se possível, o ritmo próprio da canção poética.
- cantar poemas que foram musicados, 
- experimentar ler o mesmo poema com a expressão de zangado, ou triste, ou sorrindo, ou com rigidez
- ler poemas imitando um bêbado
- Quanto mais você ler, mais descobrirá as nuances escondidas dentro das composições.
Mas lembrem-se, não é lícito alterar a obra de outro autor e colocar palavras ou vírgulas que não existem.
- Vale acrescer algum adereço físico para ambientar uma apresentação para a performance poética que poderá ter a ver com o poema em si ou com a personalidade do intérprete.


Outras actividades que podem ser realizadas a partir do diálogo com outras artes: 

- a encenação de poemas. (cito aqui meu poema O MAR VOMITOU que foi encenado no teatro duas vezes)
- ilustrar alguns (com desenhos, fotografias, etc.) ou, usar poemas e fotografias para inspirar produção de poemas. 
- deter-se num poema ou num tema, utilizando-se das várias expressões de interpretação sugeridas acima como experimentação.
- assistir aos documentários sobre vida e obra de poetas no Youtube.


DICAS PARA TER UMA VOZ SAUDÁVEL:
- Tome bastante água, aos golinhos, durante todo o dia, à temperatura ambiente;
- Evite pigarrear, quando ocorrer, tome água para limpar;
- Evite refrigerantes, bebidas alcoólicas, cafeína e chocolate;
- Durma bem, não há nada mais restaurador para a voz que uma boa noite de sono;
- Coma maçã;
- Fale, O MÍNIMO, ao telefone. Quando o usamos temos a tendência de subir cerca de dois tons da voz natural;
E o mais importante:
USE SUA VOZ PARA MENSAGENS DO BEM, SEMPRE! 
CURTA: https://www.facebook.com/marizasorrisooficial


Depois a oradora passou para a fase de leitura de alguns poemas, e para iniciar essa fase, leu o poema de Rui de Noronha, um dos percussores da poesia moçambicana, justificando que é um exemplo de fanopeia, melopeia, e logopeia, […] esse poema tem ritmo, imagem e metáfora, […] é muito rico: 

Quenguêlêquêze!... “Quenguêlêquêze!... (Lua Nova)

Surgia a lua nova,
E a grande nova]
— Quenguêlêquêze!...— ia de boca em boca
Traçando os rostos de expressões estranhas,
Atravessando o bosque, aldeias e montanhas,
Numa alegria enorme, uma alegria louca,

Loucamente,
Perturbadoramente...

Danças fantásticas
Punham nos corpos vibrações elásticas,
Febris,
Ondeando ventres, troncos nus, quadris...

E ao som de palmas
Os homens, cabriolando,
Iam cantando
(...)

Trecho … de Rui de Noronha

Depois leu o poema Momentos de Meditação do poeta guiness, Vasco Cabral. Por esse ser um exemplo de texto com metáfora e imagens, embora não tenha muito ritmo.  

Depois leu o poema A Tua Mão Poeta, do poeta angolano Agostinho Neto, por esse ter imagens, ritmo e metáfora.

Depois leu o poema Motivo de Cecília Meireles, por esse texto transmitir a melodia duma canção.

Depois leu o poema Se os Poetas Dessem as Mãos, de Fernanda de Castro, por esse ter lhe tocado a alma naquele exacto momento.   

************** 


Comentários

  1. Foi um gosto estar com vocês e contribuir com a arte e cultura dessa comunidade.
    Evoé Tindzila!

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