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A CONSTRUÇÃO DOS ÂNGULOS DA CASA COMO ARESTAS DO POEMA- Hirondina Joshua



O presente texto pretende traduzir pequenas notas deixadas pela escritora moçambicana H. Joshua na Oficina Literária intitulada a construção dos ângulos da casa como arestas do poema no grupo de WhatsApp do Projecto Tindzila. 




Biografia de Hirondina Joshua

Hirondina Juliana Francisco Joshua (Maputo, Moçambique, 31 de Maio de 1987), mais conhecida por Hirondina Joshua, é uma escritora moçambicana. Uma poetisa de destaque na nova geração de autores moçambicanos. É Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO).

Livros publicados
Obras individuais
Os Ângulos da Casa. Prefácio Mia Couto. 1a. edição. Moçambique, ed. Fundação Fernando Leite Couto.
Os Ângulos da Casa. Prefácio Mia Couto. 2a. edição. Brasil, ed. Penalux.

Obras colectivas
O Grasnar dos Corvos (Peça de Teatro). Co-autoria.

Antologias
Esperança e Certeza I. Antologia. Moçambique, ed. Associação dos Escritores Moçambicanos, pp. 47-49.
Esperança e Certeza II. Antologia. Moçambique, ed. Associação dos Escritores Moçambicanos, pp. 63-65.
A Minha Maputo É… Antologia. Moçambique, ed. Minerva, pp. 45.
Alquimia Del Fuego. Antologia. Espanha, ed. Amargord Ediciones, pp. 481.

Projectos Literários
Criadora da coluna Exercícios da Retina ‒ literatura moçambicana; Os Dedos da Palanca ‒ literatura angolana e Letras do Atlântico ‒ literatura portuguesa e brasileira na plataforma cultural Mbenga Artes & Reflexões.

Colaboração em Revistas e Jornais
Dentre as quais destaca-se as revistas Caliban, TriploV, Courier des Afriques e Literatas.
Também colaborou com a revista Missanga, de Moçambique, e actualmente escreve para as revistas Pazes, Raízes, Por Dentro D’África, Ruído Manifesto, Conti Outra, Zunái (Brazil), Sermos Galiza, Palavra Comum (Galiza), Pessoa, Literatura & Fechadura, Mallarmagens. Tem participado em colóquios, tertúlia e debates sobre literatura, em 2019 participou da 8ª. edição do Festival Literário de Macau (The Script Road – Macau Literary Festival).

Prémios
Menção extraordinária no Premio Mondiale di Poesia Nósside, 2014.

*****

A conversa começou por volta das 18 horas, como a seguinte comunicação da escritora: Quero antes partilhar uma leitura que fiz há dias. Antes de iniciarmos. Concedida o espaço que lhe era merecido partilhou: “O poeta em cada leitor não sente a mesma disjunção do que lê que o crítico em cada leitor necessariamente sente. O que dá prazer ao crítico no leitor pode causar angústia ao poeta nele, uma angústia que aprendemos, como leitores, a ignorar, para nosso prejuízo e risco. Essa angústia, esse modo de melancolia, é a angústia da influência, o terreno sombrio e demoníaco no qual entramos agora” Harold Bloom em Angústia da Influência.

Partilha que se traduziu em diversas reacções no grupo. Dentro daquelas reacções de aplausos, Hirondina Joshua ajeitou o assento para iniciar a sua exposição: Costumo dizer que Literatura não é você contar ou escrever um poema mas é você trabalhar a linguagem. Disse e acrescentou: Estamos a falar de escrita criativa. Porque na escrita técnica não é preciso um estilo, precisa comunicar uma informação. 

Das diversas reacções ou intervenções dos membros do grupo a questionarem o posicionamento da escritora, vale anotar as seguintes: 
1. Estará a ajudar a teoria dos formalistas russos? Segundo os mesmos, a literatura é o texto em que predominam as funções emotivas da linguagem. Ou seja, trabalhar a língua 90% é mais importante. 
2. ... interessante. Joshua, podemos dizer que poesia é um brinquedo feito de palavras? Uma permutação "perfeita" de palavras? 
3. … é preciso seleccionar e combinar os vocábulos de modo a alcançar o objectivo com tudo, a literatura tem como elemento pertinente a “linguagem”.

Dentro da sua convicção, Joshua disse: 
Creio que sim. Pois a função da literatura, a meu ver, não é de comunicar mas ir mais além. Tornar os dois sujeitos um só. Ou até dissociá-los. Uma função transcendental. Se todos podemos dizer. Por quê a Literatura? Daí eu defender a linguagem para a criação textual. A escrita criativa. Estamos no plano artístico. Da criação suprema da alma.

Do lado dos demais intervenientes do grupo saiu:
… para onde vai o poeta quando escreve palavras por vezes difíceis de serem decifradas por terceiros? Em que mundo ele vai carregar estas linguagens, nalgumas vezes, o seu sentido trancado a sete chaves? Hirondina reagiu:
Eu já li autores que me eram de difícil compreensão. Que hoje são tão claros para mim.
A leitura tem a ver com o nosso estado de emergência (risos). Brincadeira… 

Um dos intervenientes ripostou: 
Certo por outras palavras se poeta é mar silenciosamente, mas com gritos na acção. Que mostrará o tom do tom da voz de amor com as palavras sem adocicar a inveja do seu sorriso.

Sempre cuidadosa no argumento, Joshua deixa escapar: Estado de ser e estar como sujeitos no mundo. Nada é difícil.

Voltando as reacções do grupo encontramos: 
Então, pode se concluir que antes deve haver uma preparação do nosso eu e estudar as palavras, ler, ler e ler…?
Bem dito, em que cinge-se a escrita criativa, será trazer vocábulos difíceis como questionou outro interveniente.
H. Joshua: Depende de quem olha para o objecto. Depende. Há bons autores com vocábulos difíceis e outros com vocábulos simples. Acho que as pessoas devem escrever como se sentem a vontade. Interessa que o façam bem. Depois perguntou como se acabasse de incendiar a casa virtual: O que é fazer bem?

Do lado dos demais intervenientes saiu: A poesia criativa tem a ver com usar-se das palavras para esculpir a imagem invisível de nós mesmos.
É a suprema arte de escupir a alma com as palavras, assim como o escultor faz com a madeira.

H. Joshua: Não sei. Isso cabe a cada olhador. Já que a leitura depende do estado das pessoas.

Outro interveniente: … é desafiante. O que lhe motivou a gostar? Será pela temática?

H. Joshua: O mistério. O tema não me interessa. Porque se fores a ver todo texto diz a mesma coisa: amor, guerra, perdão, etc. O texto é o ser humano.

Outra parte: Não só mas depende do mundo onde o poeta se encontra inserido, ou seja o tempo os acontecimento, vida social, etc...

J. H: Então os temas não me importam mas o modo como são ditos. Por isso a linguagem me fascinar. O resto todos vocês sabem.

Outra parte: Questão não são vocábulos, é ver palavras conhecidas mas não saber decifrar o seu conteúdo. É como ver uma escrita inglesa em que o abecedário usado é igual ao português mas não entender as frases.

H. J: Somos adultos o suficiente para saber as ciladas da vida. Nenhum texto nos impressionaria. A mim prende é a linguagem. Acrescentou: Amigos, tudo ocorre no plano espiritual. A leitura e a escrita.

Outra parte: a linguagem deve estar contida a alma de quem escreve ou não conseguirá alcançar outra alma. Concordas?

H. J. Não se ensina a ver. A Literatura tem a ver com a visão, meu caro…

Um dos intervenientes deixou escapar: Acho que os poetas não trancam a compreensão dos seus poemas pelas palavras difíceis, mas pela linguagem. Pois, a linguagem criativa envolve a multiplicidade de significação - subjectividade. O estilo que o poeta adopta leva à outras dimensões de compreensão. E outro, argumentou: Penso que o poeta não deveria escrever para ser lido mas sim para ler a si mesmo. O livro será um acidente de percurso…

H. J: Quando você escreve para você mesmo, você honra os outros porque os outros são você e vice-versa. Não há traição. E acrescentou: Há traição quando escreves para os outros. Vamos supor, amigos. Eu escrever sobre laranjas porque agradar o meu irmão.

Outra parte: será que o poeta é egoísta?
H. J: Egoísta é um termo forte e feio. Eu acho que o poeta é solidário. Porque nessa solidão acha o outro.

Outro interveniente: Se me permitir:

ABSTRACÇÃO

A pupila do poema
no fogo do coração

ou a língua do idioma (?)
Usei as mesmas palavras do teu texto ABSTRAÇÃO. Poesia seria também isso, ter um conjunto de palavras e fazer um jogo com elas: um brinquedo de palavras? 

Em resposta, um outro interveniente reforçou: É isso, abstracção. Isso é o que eu queria. As palavras são as mesmas, mas podem ganhar muitos sentidos dependendo do contexto. Em alguns casos, ler os versos do poeta não é perceber os versos do poeta. É preciso entrar na imaginação, na loucura do poeta para seguir os traços da sua imaginação. Deste modo o leitor estará decifrando a mente, os códigos do poeta.

H.J: Sim. Por isso dei o exemplo das pêras e das mangas. Estava a ilustrar a transmutação. 

Por sua vez, um outro interveniente acrescentou: Sim. O poema se predispõe a oferecer múltiplos sentidos de si mesmo, dependendo da forma como cada retina faz a refracção da luz que dele emana. O poema é um desenho por colorir... cada leitor escolhe suas próprias cores.

Um outro interveniente: “O homem é um ser que se criou ao criar a linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si mesmo.” Octávio Paz
Acha-se metaforizada na obra "Os ângulos da Casa"?

H. J: É incrível como quase nada sei sobre esse livro.

E se deixou escapar por parte dos outros integrantes o seguinte: Então, poesia é coisa de espertos. Malandros? E loucos nem?

E ainda se indagou: Alguns poetas/ músicos consideram a "poesia como máxima teimosia" (Bob da Rage Sense) será verdade?

H. J: Para mim toda criação é loucura.

Doutro lado, se questionou: Pois é. O poeta. O revisor (literário). E o leitor. Têm a mesma percentagem na definição da qualidade de um texto.

H. J: Eu tenho medo de ser revista (risos). Já me cortaram a cabeça do texto. Acrescentou: Sabes porquê? Porque o outro não é ele que escreveu, a visão dele será sempre uma extensão do meu texto. Então já tenho cuidado. E represou: não estou a dizer que não sou revista. Ou que sou contra revisão. Estou a dizer que tomo cuidado porque já vi textos tortos por isso. Já vi a alma do poema transformada.

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