Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem-querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade. — Soneto de Luís Vaz de Camões
(p.31)
Livro “Amei para me amar”, da escritora Nyeleti, é uma obra que transcende os limites da literatura, emergindo como um importante documento que mescla a literatura, a sociologia e a psicologia.
Será um livro de auto-ajuda? Um depoimento? Não cabe a mim dizer, mas a sua estrutura em muito me lembrou os Doze Passos para o tratamento do alcoolismo, criado por Bill Wilson pelo Dr. Bob S.
Dividido em 13 capítulos temáticos, como “Todos somos falhos”, “Quando e como amamos demais” e “Por que dou mais do que recebo?, o livro se revela uma janela privilegiada para compreendermos as complexas dinâmicas de género que moldam nossa sociedade.
Mergulhar nas páginas de “Amei para me amar” é adentrar um universo profundamente humano, onde a autora nos convida a uma jornada de autodescoberta e transcendência. Temos como a falibilidade humana, o amor excessivo, a reciprocidade nas relações e a redenção através do amor próprio são comuns a todos nós (avança a autora, “ninguém é perfeito e todos têm as suas próprias histórias, cicatrizes e bagagens emocionais”).
Este livro de 108 páginas, é muito mais do que uma mera narrativa biográfica, (o leitor é logo avisado no início do livro: “baseada em minha em minha própria experiência”; na pág. 21, diz: “A meio desenfreadamente; isso quase me levava à morte”) - é uma obra poderosa e intimista que nos convida a mergulhar em sua experiência de amor, desafios e auto aceitação; é um grito de afirmação do ero feminino e da sexualidade da mulher, ressoando como um manifesto sobre a condição humana em sua essência.
Ao longo de sua obra, Nyeleti desvenda as complexas dinâmicas do amor( por exemplo, fala do amor patológico ou fanático; do Ero e do Agape, da paixão), apresenta labirintos e reflexoes que vão muito além do individual. Os títulos dos capítulos, por exemplo, são como um espelho que reflete não apenas sua própria experiência, mas também os dilemas universais que permeiam o viver.
A poetisa assume uma postura corajosa ao expor suas vulnerabilidades e conquistas( nos cap. 10 e 11 somos apresentados à história da Ana). Nyeleti se apresenta não apenas como uma narradora, mas como uma psicóloga da alma humana e, em especial, da essência feminina ( na parte 7, por exemplo, a autora responde à questoes, como “Como recuperar do amor dado e não correspondido; Como se libertar de um amor que dói).
Ademais, em um mundo ainda marcado por estruturas patriarcais, autoras se ergue como uma voz de desafiadora, reivindicando o direito da mulher de ser sujeito de seu próprio desejo, de seu próprio corpo (P. 68: “Não vale a pena sofrer por amor. A vida já é dura demais”). Assim, o livro se contrapõe à narrativa dominante, que insiste em reduzir a mulher a mero objeto de satisfação masculina, desafiando-nos a repensar as estruturas de poder que moldam nossas interações e relações.
“Amei para me amar” é, portanto, um livro transformador, que não apenas comove, mas também desafia o leitor a repensar suas próprias concepções sobre o amor, o ser e a condição humana.
Acho que, chegados aqui e parafraseando a Nyeleti, todos merecemos “viver o amor dos livros, dos poetas e dos contos de fadas”.
Parabéns, Nyeleti.
E muito obrigado.
P PL, Beira, 20.6.2004.
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