Avançar para o conteúdo principal

Gwanu metamorfoseado em Homoine

 



Aos lavradores das letras: Muail, A Bia, JM, Jeremias Jr, G. João, Rapariga Silenciosa (A luz), e outros

Alguém não devia ter falado que quebrar um vidro transparente, seja prato, copo, janela ou espelho traz muito azar. Mas o velho que chegara recentemente não se dera o luxo de esconder isso de JM quando se aproximara para recolher os cacos do segundo copo quebrado. Ninguém ouviu ou vira o velho a segredar isso ao JM senão a mudança repentina do comportamento de JM.

O Velho não tirava o olhar em nossa mesa.Ele fazia o serviço de varredura. Assobiava o tempo todo se passava era para rir dalgumas piadas nossas. Pelo seu jeito inclinado para frente quando se desloca, parecia vencido pelaidade. Os seus olhos ostentavam a cor vermelha como se tivessem sidos injectados o sangue. Os calcanhares das calças se ameaçavam rasgar e uma ligeira cor de leitese vislumbrava nas pontas.

_Droga, cadê a Gina? — Sussurrava JM com ar de preocupação. Alguma coisa lhe aflige, será o copo quebra ou o silêncio da moça que sorria ligeiramente as vezes com circunspecto de indagação das teorias G. João quando fala doslavradoresdas letras como a gente naquele momento e lugar. — Que tens tu? — Perguntava Jeremias Jr — Ainda pensaste no copo? — Um véu de silêncio saiu dos olhos de JM estampando o seu ar do desconforto, e todos nós sorrimos e por fim respondeu. — Nada disso, méu. Também já é tarde, não achas?

O Velho meio curvado com o casaco empalidecido pelo tempo, olhou para nós e perguntou num tom da voz cheia de hesitações se éramos lavradores das letras é ninguém respondeu senão Alerto Bia com as suas respostas à moda socrática. — Apenas gostamos de livros. — O Velho maneou a cabeça enquanto arrastava um saco cheio de garrafas vazias.

— E tu, amigo, entender dos livros? — Perguntou G João.

— Não! Os livros dão-me sono. É o sono é inimigo da vida. No sono teimo que a morte me chegue de surpresa.

— O que fazes na vida? — Insistiu a rapariga silenciosa.

— Recolho os destroços dos relógios para compor o tempo que a vida me levou. — Finalizou o velho.

Estávamos sentados em uma mesa redonda no Txikela'sBar. Havíamos acabado de ter uma conversa literária entorno da recente obra do escritor Alerto Bia. Agora entrávamos em conversa descontraída. Havia mais frio naquele lugar do que gente por compartilhar o mesmo. Entre a gente, uma rapariga não gorda nem magra, não alta nem baixa, estava totalmente quieta a escutar detalhes por detalhes as advertências da conversa. Talvez ela percebera que a melhor forma de entender os lavradoresdas letras é ficar quieto e escuta-los.

— Olha Gina, quando entrávamos neste lugar, o ar cheirava a cozinhados, assados e presunto frito e legumes cozidos, alguma coisa há de comer?

— Sim senhores, temos pitéu apenas.

— Apenas? Não nos vai bastar, desculpa. Preciso, eu, de algo consistente no estômago. — Rematou o G João.

Enquanto pensávamos em onde encontrar algo para comer, um copo de uísque que se quebra. E uma cabeça como sefosse o ventre do universo, concebea lua e a sua luz meio cortada que nos confinava num e único fascínio mistura-se com o som profano do beijo incorrigível do pneu e o asfaltoque criava o desassossego por dentro como esse uísque entornado nos tubos intestinais.Mas nesse instante nada causava o desassossego por dentro que a preocupação que se ultrajava em JM. A cara descontraída e cheio de hesitações no momento da fala.

— O que te anda tricotar a cabeça. — Insistia o Jeremias Jr interrompendo a fala de A. Bia.

— Deixe-o em paz. — Abafou a rapariga silenciosa.   O ar é esse, poeta? A gente conversa até a matina, e Agora?

Tornámos a olhar para JM e ele retribuiu com o ar de quem pede permissão para se retirar do local embora fosse contra as regras e desviou o olhar para a Gina, a moça do bar, e disse-lhe alguma coisa e ela pôs-se a andar e que só mais tarde quando nos apareceu com um bilhete com os detalhes do consumido na bandeja soubemos que solicitara a conta.

Alguma coisa se misteriorizava em nós. OJM não erahomem de preocupações mas naquele dia algo lhe aflige muito e essa coisa manteve-se em mistério. Talvez fosse os barcos que levam ao céu. — Droga, esses barcos nunca estão comprometidos com o povo. A gente precisa passar um sábado sem preocupação mas não é possível quando se pensa nessa distância que separa a nossa cidade e o céu. — Por fim decifrou o mistério.

Levantei-me e todos fizeram o mesmo. A rapariga do silêncio encarando-nos disse que, o bar não era nosso e não houvesse lugares por reservar, então restava-nos as despedidas. Apertamo-nos as mãos num gesto de despedida e começamos a nos vaziarmos do pátio.

Lá fora os latidos soavam-se mais perto. Os carros e as pessoas se escasseavam na rua excepto nas barracas circunvizinhas de onde vinha o som desorientado de amapiano.

 

Mafemane d’Castro, 06/06/2022

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Em Moçambique, poucas editoras acreditam que um livro de texto dramático pode vender

 ** Por João Baptista No dia 17 de Agosto, Dia da SADC, o Projecto Tindzila conversou com Emerson Mapanga sobre o seu livro de estreia *Padecer das rosas*. O debate foi moderado por Adilson Sozinho. *Parecer das rosas* já é em si uma peça teatral. Existe peça teatral escrita e peça teatral em cena. Esta última é o espetáculo em palco. O texto que resultou neste livro já foi levado à cena. Foi montado um espetáculo no ano de 2019. Este livro nasceu da adaptação do romance *A Rosa Xintimana* de Aldino Muianga, daí a ligação das personagens do livro de Emerson Mapanga e Aldino Muianga. Quem lê esses dois livros consegue compreender as vivências da sociedade, a natureza africana e as suas culturas. O teatro alimenta-se da vida e, como a vida, Padecer das rosas é uma obra cheia de interrogações.  Quanto à questão da personificação das personagens, Emerson acredita que todas as personagens construídas surgem dentro de uma base que pré-existem em escritores e dramaturgos. E a opção de escreve

A Literatura Produzida em Cabo Delgado: Estágio, crises e desafios

   Por: Adilson Sozinho Uma sugestão que nos foi trazida pelo projecto Tindzila para 13.08.2023, na plataforma, WhatsApp. Conversa moderadora pelo João Baptista e tendo como oradores três estudantes universitários de Cabo Delgado, nomeadamente, Idália Bata, Gildo Malodelo e Albertino José. Sobre a Literatura produzida em Cabo Delgado, os oradores trouxeram de forma sintética as percepções que se seguem, no entanto, antes de mais, salientar que os três jovens, são naturais e residentes em Montepuez, um dos distritos mais belos e atractivos da província de Cabo Delgado depois de Pemba. É um distrito com uma densidade populacional considerável. Foi estratégico conversar com os jovens deste distrito que alguns consideram possuir uma das maiores cidades da província, se não, a maior, deixando para trás até a cidade de Pemba. O JB questionou à Idália sobre o estágio da literatura em Cabo Delgado, a qual se espelhando no seu distrito respondeu: “Cabo Delgado é uma província esquecida em ter

O nível de desenvolvimento humano deve ter uma proporcionalidade directa com o nível de leitura de um povo

 *Por João Baptista  Nesta segunda-feira, 14 de Agosto de 2023, o Projecto Tindzila recebeu no seu grupo de WhatsApp e conversou com Venâncio Mondlane, deputado da Assembleia da República e leitor assíduo de livros. O debate foi moderado por Matilde Chabana, tendo como tema de conversa "A leitura como um segmento para o desenvolvimento humano". Segundo o orador, ao longo destes seus anos de leitura e de convivência, percebeu que é muito importante ler, todavia, é muito mais importante partilhar esta leitura e ter tempo para assimilar a mesma leitura como um factor de transformação pessoal. Para Venâncio Mondlane, a leitura só ganha sentido no ser humano quando ele apreende, isto é, ele lê e medita o que está lendo; e a leitura transforma a forma de ser, a visão do mundo, o campo/universo emocional e até o próprio ser. Quando a leitura consegue alcançar isso, essa leitura é útil. Segundo Venâncio Mondlane, "o nível de desenvolvimento humano deve ter uma proporcionalidade