Anotações sobre os dias de angústia
É delicado fechar os olhos
depois de contornar a soleira da velha casa
[essa limítrofe atmosfera de retesar silêncios ]
onde haveríamos de ser abandonado.
Nessa manhã estamos distantes demais
do pão e do amor
& a chaga da palavra benevolência
responde por essa fisiomia
com uma linguagem
de petúnias arcaicas.
O essencial é inventar agora como semear
o pão, o amor e a casa
só esse latifúndio nos conduzirá
ao verbo antes da carne.
In: Antologia de poesia moçambicana, vol. 1, poemas 258.
Dos desígnios dentro de nós
Para os olhos estendidos no alpendre
há esta casa aberta ao propósito do milagre
& todos nomes sem rosto
no subterraneamento da fome, perguntam:
como desfazer a efemeridade ossatória
aludida na amargura inquieta de deus?
Como ir à guerra, sem ocupar o coração,
com a pragmática dos métodos
e a maneira de não traçar planos
para o destino do inimigo?
É difícil entender porque a noite
não nos ensina como inventar o amor
muito antes do verbo, da carne e de apertar gatilhos
ou mesmo compreender os assassinatos de homens, mulheres e crianças
em nome da terra e sua solidão latifundiária.
Por isso, sempre depois do jardim,
haverá um mau insolúvel
ramificado nos olhos de deus
& o cotidiano, sem remédio,
perguntará ao sentimento do criador:
por que é preciso pronunciar outra manhã
que nasceu esquecida pela delicadeza
nos rastros deixados pelos mortos
antes de pronunciarem a palavra: carne ou pedra?
Outra manhã e a um passo do mar
ainda não aprendi remover
[pois nunca floresceu uma cidade ]
a terra que pesa sobre os homens, mulheres e crianças,
dentro dos dias e outros desígnios sem ressentimentos de deus,
que é necessário para reconciliar o vasto homem
habitado, sem ervas preçárias, dentro de mim.
In: Antologia de poesia moçambicana, vol. 1, poemas 258.
Comentários
Enviar um comentário
Edite o seu comentário aqui...