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ENTÃO, COMO SE ACONTECE? - OBedes Lobadias

Imagem OBedes


O presente texto pretende traduzir pequenas notas deixadas pelo poeta, escritor e activista cultural, moçambicano, Obedes Lobadias na Oficina Literária intitulada então, como se acontece no grupo de WhatsApp do Projecto Tindzila. 


Biografia de Obedes Lobadias

 
OBEDES LOBADIAS - Escritor, declamador de poesia, compositor musical e activista moçambicano. É co-autor dos livros Leveza da Alma, Entre o Samba o Fado e a Poesia, Em todos os Ritmos da Poesia e Todos os Tons da Poesia (Brasil, 2014, 2015, 2016 e 2017, respectivamente). Com 23 anos de idade, escreve também crónicas, contos, peças de teatro e pequenas estórias de romance, ainda que, mais conhecido no seu país e internacionalmente, pela sua poesia que é também lida e ouvida em países como Brasil (principalmente), Portugal, África do Sul, Angola, Argélia, Alemanha, México, Genebra e muitos outros. Foi jornalista-correspondente em Quelimane da Deutsche Welle – rádio internacional da República Federal da Alemanha e apresentador de programas juvenis na Rádio Moçambique. Protagonista de várias iniciativas artístico-culturais, é membro-fundador do Movimento Artístico-literário Universos e do Parlamento Juvenil de Moçambique. Ocupando a cadeira especial Luís Vaz de Camões é Académico Titular na Academia Virtual de Poetas de Língua Portuguesa (Brasil). Actualmente é estudante-finalista do curso de licenciatura em Ciência da Informação (Arquivística) na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM). Tem sido propalado como um de entre muitos aperfeiçoados novos declamadores de poesia em Moçambique e mais recentemente, Obedes Lobadias foi publicado em colectânea como um de entre os mais de cento e trinta e um Melhores Novos Poetas Africanos 2016. É coordenador em Moçambique do IV ENCONTRO DE POETAS DE LINGUA PORGUESA. Prepara-se para lançar o seu livro de estreia.


Então, como se acontece?

Contextualização

Iniciou o orador com a contextualização: 
“Começou de forma espontânea (…) em 2015, 16 ou 17 quando fundamos o restaurante de arte, eu tinha o hábito de publicar as fotografias do restaurante de arte e tal, e em cada fotografia expressava um determinado sentimento ou momento, em algumas fotografias eu aparecia suspenso e dava uma descrição naquilo, por exemplo, quando me despejo, quando aconteço. Quando quis realizar o meu primeiro espetáculo pensei nesses temas, quando me despejo, quando aconteço, etc. Então foi aí que adotei o QUANDO ACONTEÇO. Levei isto como marca.” No entanto, “Obedes Lobadias não declama, mas sim acontece” adiantou o orador.

Para o orador assume como natural afirmar no lugar da expressão “declamar” usar “acontecer”. Não que estás expressões se possam substituir, contudo, para si, declamar deve ir mais além que simples dizer de palavras, deste modo, foi com base nos conceitos abaixo que o orador deixou ficar a sua posição:




Poema vs poesia


O orador tentou demostrar de acordo com a sua convicção que para um declamador é crucial que entenda ou busque entender a distinção de poema e poesia. Disse ainda que “para um bom declamador acho pertinente que tenha em si essa distinção, (…) acho que o escritor não precisa tanto dessa distinção, mas para o declamador, é crucial que tenha essa diferença para permitir a sua tarefa de declamador.” Adiantou ainda na sua intervenção que a distinção deve ser percebida de forma simples, como afirmou: “eu considero o poema a casca e a poesia o suco da fruta. Não significa que por ser a casca deve ser deitada fora. É na casca que ficam as proteínas e os nutrientes mais valiosos, então, nós temos que valorizar muito a casca, bem como o suco, porém o suco não é uma coisa que só de cortar a laranja temos, nos temos que exprimir a laranja, às vezes temos que saber escolher a laranja, temos que exprimir com alguma firmeza para podermos ter o suco, quer dizer, há os devidos tratos para que haja esse suco…”

Quando quis discutir o conceito de declamar, o orador se apoiou da definição que consta do dicionário universal da língua portuguesa que conceitua declamar como um recital em voz alta, em tom suasório, com gestos convenientes e ainda como disse o orador, podemos encontrar ainda no dicionário a concepção da declamação como um discursar de forma enfática.

Por seu turno, o orador, chamou atenção sobre a questão do uso da voz alta ao recitar, para tal, diz que o uso da voz alta não se equivale ao gritar. Causar susto nas pessoas. Sobre o grito, adiantou que se for para gritar que seja por própria exigência do poema, pois, tem que se entender que existe uma diferença muito grande entre falar com voz alta e gritar. Falar com voz alta pressupõe fazer-se audível. Registou o orador.

Sobre o tom suasório, o orador disse que devia se entender como um tom convincente, que leva a sentir a coisa.
 
Quanto aos gestos convincentes, o orador argumentou que muita gente se deixa achar que usar gestos é fazer tradução da língua dos sinais. Deve se colocar o gesto necessário no poema, ou seja, na declamação do poema.



Níveis da declamação 

Sem aprofundar muito sobre os níveis da declaração, tal facto deveu-se, segundo o orador a ausência de tempo, disse que na declamação se pode encontrar diversos níveis, ou seja, esta pode decorrer em diversos níveis, nenhum nível é superior ao outro. Mas sim, diferente um do outro.


Ser declamador e declamar na óptica do orador


Apelou o orador quando a questão de ser um declamador e declamar que “se há vento, temos a força que o move. Se o declamar é o vento, a poesia é a força que o move. Ou pode ser o contrário. A poesia ser o vento e o declamador a força que a move.”

Acrescentou o orador que “um declamador em primeira estância é um intérprete, porque a sua primeira tarefa é essa. Defronte ao poema ele deve apresentar possibilidades de interpretação daquele poema. Decifra o poema. E também, deve ser visto como um tradutor de sentimentos.


Artes cénicas e a declamação


“(…) perceba isto no sentido de trazer a poesia ao palco. Cada um cria uma forma de trazer a poesia ao palco”. São as palavras do orador que tentamos resumir neste trecho sobre a questão das artes cénicas e a declaração. Tal como chamou atenção sobre o que é ser um declamador e o que é ser um cineasta ou actor.
 
No entanto, o orador chama atenção da distinção destes dois (declamador e actor), embora que em alguma parte estes se encontrem. Afirmou o orador que “existem alguns declamadores que tentam ser actores e acabam sendo maus actores”.


O que é isto de acontecer?


“acontecer é a arte de dar carácter, alma, ou talvez voz, ou de dar voz a alma, caráter a palavra. Isto é um outro conceito de declamar que estou a trazer agora.” Afirmou o orador.

“Procurem a definição mais simples da alma para puderem perceber porque é que declamar é esta arte de dar alma ou de descobrir a alma da palavra, de dar voz a palavra, carácter a alma.” Ia divagando o autor sobre o acontecer…

Quanto ao carácter, o orador buscou relacionar a sua posição com a definição do dicionário, consta que prevê que é algo que distingue as coisas entre si, marca, impressão, índole, natureza. E faz algum questionamento aos declamadores na sua intervenção, “Qual a tua marca como declamador, o que difere o teu discurso normal com o teu discurso enfático?”

O orador chama aos declamadores a uma reflexão profunda e inabalável ao dizer “faz do poema o lugar onde você nasceu. E faça de si o lugar onde o poema nasceu”.


Fazendo o conceito de acontecer

Como demostra a imagem abaixo, o orador clama por uma reflexão sobre os conceitos aqui levantados.



“Quando temos um poema temos que saber qual a verdadeira alma do poema. Jamais saberemos qual é a verdadeira alma do poema, mas a nossa missão como declamadores é descobrir, é saber. Se não descobrimos vamos atribuir. Se conhecemos a alma do poema, existe um outro exercício mais profundo que devemos fazer, que é criar e descobrir as interpretações possíveis.” Todos estes levantamentos estão ligados a percepção da performance. A forma de agir do declamador desde o primeiro momento do contato com o texto até o último que é o da exposição das emoções traduzidas do poema.


Avaliação técnica na performance

O orador descreveu este momento de diversas maneiras. Contudo, dos resumos da comunicação anotamos alguns aspectos pertinentes como os seguintes que foram levantados pelo orador:
“ O que precisas para acontecer? Será que tens o que precisas para acontecer? E depois, o que tem para puderes acontecer?

Neste âmbito da performance, o orador levantou o conceito da marcação, onde afirmou que neste momento se vai traduzir em acompanhamento in locu, acompanhar de perto. “É a ideia de tu olhares para o palco e veres os movimentos que vais fazer. As condições da sala”. Disse o orador.

Para acrescentar as técnicas da performance, chamou a atenção do ensaio que deve ser constante e contínuo. Disse ainda sobre o ensaio que “depois do ensaio precisas de relaxamento. Findo isto, vem o grande momento, A HORA DE ACONTECER”.


O grande acontecimento

Dos diversos aspectos, o orador faz um alerta aos declamadores como se pode ver dos dizeres seguintes;
“Lembre-te que tu estás a trabalhar o texto
Lembre-te que tu estás no palco
Lembre-te que tu tens público
Lembre-te que tu tens que acontecer”.

Disse ainda: “Tu não tens que fazer acontecer, tens que acontecer e uma coisa que acontece é phã: mágica.” E na pós-performance, o orador deixa também o seguinte conselho: “ mereces relaxar, fazer a auto-avaliação.”

Imagem: © OBedes Lobadias
Texto: JECONIAS MOCUMBE vs Otildo Justino Guido
Tindzila pela Lei-tura#


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